quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

PUERIL

A felicidade que nunca esteve.... ali onde poderia estar

A felicidade que sempre esteve.... a um passo de onde posso pisar

Sempre me falta algo, que parece ser mais que tudo

A única meta, o único alvo... é dar sentido ao absurdo


“Quem és afinal? Pedaço de matéria insaciável.

Qual é este mal? Que a ti parece incurável.

Quem te fez brotar? Pedaço de carne, assim, do nada.

Qual é este lugar? Qual o começo, onde acaba?”


“Da poeira se fez vontade

Da busca se fez dor

A cura de ser metade

É completar-se de torpor?”


A este mistério chamo EU

É assim, sentir o sem sentido

Se o não-nascido não morreu

Não sabe o que é ter vivido


Um eterno recomeço

Do naco de pão ao suspiro de prazer

É este o preço?

Do jogo estranho de viver.


“A ilusão do eterno não te conforta?

A boca do mistério não te traz esperança?

Pequeno cisco de desejo que comporta

Curto presente, distante futuro, fugaz lembrança”


Percebo que não percebe...

ilusório é tudo, eterno e passageiro

queda que não acaba, sem haver despenhadeiro

Muro que não se ergue


“De onde veio? Pra onde vais?

Pequena criatura, entre o sempre e o jamais

Como te chamam os teus iguais?”


Não há iguais, só há estranhos

De tantos desejos e tantos nomes

De diferentes formas e tamanhos

Dizem que ser isso é ser Homem


Pedaço de pergunta sem resposta

Carne dolorida e passageira

O chão que é o útero em que repousa

Amanhã te tomará como poeira

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

OUTSIDER

Chovia um pouco, e eu estava nesta floresta de pinheiros com este meu amigo. Eu adoro o cheiro de pinheiro quando chove, adoro mesmo, não é conversa fiada, do tipo desse pessoal que diz que adora o diabo a quatro, só que no fundo nem gosta de verdade. E eu estava usando este meu chapéu de caça, a verdade é que ele é revestido com um tipo de pele que faz a minha cabeça suar e coça pra caramba, mas eu gostava de usar ele, acho que é o chapéu mais legal que eu já tive. E também, neste dia, eu e este meu amigo tínhamos ido caçar. O meu amigo era bom mesmo no troço, nunca vi o safado errar um tiro. Eu sempre tive pena de atirar nos animais e tudo, e ficava meio apavorado quando ouvia o estampido do tiro. Tanto é que neste dia eu nem estava levando espingarda porcaria nenhuma. Estava indo junto só pra poder conversar e acender uma porcaria de cigarro no meio dos pinheiros. Deus, como eu gostava daqueles pinheiros! De verdade mesmo.

- Você ainda está saindo com aquela garota? – ele me perguntou.

Eu estranhei, porque ele nunca puxava conversa, nunca. Era praticamente uma odisséia arrancar meia dúzia de palavras do sujeito.

- Qual?

- Você sabe qual. Aquela que faz a porcaria de curso de alemão com você.

- É italiano, eu faço curso de italiano. Porque a minha família é descendente e tudo.

- Que seja... alemão e italiano é tudo a mesma droga.

- Você manja mesmo dessas coisas de língua. Dá pra sacar logo quando um cara manja dessas coisas.

Falei pra encher o saco. Sei lá por que cargas d’água, sempre dou um jeito de encher as pessoas que eu gosto.

- A gente tem saído junto sim.

- Ela é uma garota legal; não faça merda com ela.

- Eu sei, por que você está me falando isso? Nunca fiz merda com garota nenhuma...

- Você tem que tomar conta dela, sabe como? Você é o tipo de pessoa que precisa cuidar de alguém; eu sinto isso em você. Vê se não vira um tipo assim como eu... não sei por que você tem insistido em andar comigo.

Ele não olhava pra mim enquanto falava. Estava com a espingarda às costas e usava um chapéu parecido com o meu. O chão estava todo molhado, e os galhos de pinheiro soltavam um cheiro ainda mais forte enquanto a gente pisava sobre eles.

- Qual é? No fundo, mas bem no fundo mesmo, até que você é legal. Suportável, talvez.... – falei rindo.

- Eu gosto de comer sozinho. Você sabe quando uma porcaria de sujeito é infeliz quando ele gosta de comer sozinho.

Juro que me deu uma pena desgraçada dele quando ele disse isso. Não sabia que porcaria falar.

- Sabe a garota do italiano, ela é legal pacas mesmo. Nem sei direito o que nela é tão legal assim, sei que nunca conheci ninguém igual a ela. Aí semana passada eu falei pra ela aquele lance igual ao Caulfield. Falei que a gente tinha que cair fora, que podia morar numa porcaria de cabana ou algo assim, e eu trabalharia de frentista em algum posto qualquer e essas coisas, e que a gente ia acabar sendo muito mais feliz que esse bando de otário que estuda com a gente.

- Cala boca... não vai fazer merda. As coisas não funcionam assim. Vocês dois são acostumados com a vida boa. Comida na mesa quando chegam da aula, banho quente e assistir a TV a tarde toda. Não iam agüentar uma semana numa droga de cabana.

- Você acha que eu preciso dessa porcaria toda? Não preciso não, meu amigo. Está aí uma coisa que eu não preciso...

- Tudo bem, você está certo. Não sei como pude me enganar. Você exala a uma vida dura, é só olhar essas suas mãos calejadas – disse ele me ironizando.

O safado também sabia ser irônico.

- Por que você gosta tanto de caçar? – perguntei.

- Pela droga do silêncio – ele respondeu tentando cortar o assunto.

- Qual é?! Você leva as coisas a sério demais. Fala aí, por que um cara péssimo de pontaria e tudo insiste em sair caçar por aí...

Falei só pra encher mesmo, o safado nunca errava um tiro.

- Sei lá... que porcaria de pergunta! Talvez seja por aquele momento antes do tiro. Quando você já viu o animal e ele ainda não te viu. Você já sabe que a coisa toda vai acontecer, que você vai atirar e ele vai morrer. E você não sabe por que ele apareceu naquela hora, e por que você estava ali também. E tudo parece tão sem sentido e você se sente estranho.

- E por que você gosta disso?

- Não sei...

A gente continuou andando. Estava chovendo e, às vezes, caiam uns pingos de chuva maiores em mim, dos galhos das árvores. Não sei direito por que, mas eu estava me sentindo tão bem de estar ali com o meu amigo e com o cheiro de pinheiro. Sei que já falei isso, mas eu sou simplesmente doido por cheiro de pinheiro.

Aí a gente foi embora. E eu dormi, talvez um ano ou dez, ou dez mil. E você não vai acreditar, mas, quando eu acordei, eu estava nesta floresta de pinheiros, com este meu amigo. E eu usava um chapéu de caça, que esquenta um pouco e faz a minha cabeça coçar, mas eu sou doido por ele. Nossa, às vezes, as coisas parecem tão estranhas...

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

SUNDAY MORNING...

É engraçado... eu não consigo lembrar de como cheguei aqui. Tudo o que sei é que aqui estou, nesta rua vazia, chutando esta lata. Está uma manhã bonita, bonita mesmo, e não está ventando. Gosto de chutar latas por aí, principalmente quando não está ventando. Não sei que rua, bairro ou cidade é esta, mas simplesmente não me importo. Tudo que sei é que sigo a lata que estou chutando, e me sinto bem. Não sei de muita coisa, e me sinto tranqüilo por isso. Acho que as pessoas que sabem várias coisas são chatas, porque quase sempre querem mostrar que sabem muitas coisas... Como não sei quase nada, não esperam muito de mim, eu acho. Não tenho certeza disso porque não me lembro direito, só tenho essa impressão.

Há algumas casas bonitas por aqui, mas algo me diz que as pessoas que moram nelas não são felizes. Abriram mão de muitas coisas para poderem ter casas bonitas, e no fundo, acham que não valeu a pena. É essa impressão que tenho. Sei que não vou ter nenhuma casa bonita, abri mão disso porque gosto de chutar latas por aí. Às vezes, também acho que não fiz a escolha certa. Mas não estou triste; não agora. Não há motivos para estar triste, hoje está uma manhã bonita, e não está ventando. Gosto de chutar latas por aí, principalmente quando não está ventando.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

SOBERBA

Nunca fui supersticioso. Não acredito nessa história de sobrenatural e coisa que o valha, mas ontem me ocorreu algo estranho. Bebi um pouco, talvez não tão pouco, porque, cada vez com mais freqüência, o álcool parece ser uma das poucas alternativas que vale o custo-benefício (embora provavelmente também não valha; pelo menos, não se descobre isso a curto prazo). Voltava para casa sentindo um tipo de alívio, encarando as coisas com menos seriedade, de uma maneira que somente a santa embriaguez proporciona. Foi então que um senhor, sentado ao chão, enrolado em um velho cobertor surrado e com as costas encostadas contra o muro me disse:

- Você gosta de escrever, não gosta?

Provavelmente, não sei direito por que, se eu não estivesse bêbado, não teria lhe dado ouvidos. Mas, no estado em que eu estava, senti uma incontrolável vontade de conversar com ele, por pouco não me sentei ao chão do seu lado.

- Gosto... gosto sim – eu ri. – O que é mais trágico nisso tudo é que eu gosto de verdade. Não sei se você me entende, mas tem muita gente por aí que lê sem gostar, e escreve sem gostar também. Mas eu, eu sou um desses desgraçados que precisa disso... mas não me orgulho. É como se fosse uma fuga, sabe? Quando leio, estou em um outro lugar, que não nesta rua miserável em que estamos agora, e nem deitado em minha cama a dois quarteirões daqui. É algo parecido com o álcool... E quando eu escrevo... quando eu escrevo, é diferente, fujo para longe também, embora muitas vezes aquilo do que desejo fugir acabe vindo à tona. Mas quando se escreve, o controle é fascinante, você me entende? Não importa que imprevisto possa acontecer na porcaria da minha história, para mim, nunca será um imprevisto. Eu estou no controle, lá, neste lugar para onde eu fujo. Não importa o quanto você seja sensível, passional e inspirado... a grande verdade é que a literatura é uma arte racional.

O velho riu. Dentes amarelos corroídos, com manchas escuras.

- Gosto de você.

Não sei por qual razão, quando ele me disse aquilo quase caí em prantos. Choro pouco, lembro de ter chorado no máximo uma meia dúzia de vezes em minha vida. Mas há algumas situações que aos outros parecem banais que a mim soam tão deprimentes que mal consigo me controlar. Senti vontade de me ajoelhar, de beijar aquele rosto sujo e feio e agradecer... agradecer mil vezes por um ser vivo, que sente, pensa e é livre, ter escolhido gostar de mim. Senti vontade de dizer que também gostava dele. Não, senti vontade de dizer que o amava por ter me dito aquilo, naquele momento em que eu voltava embriagado para a minha casa... lembrei que tinha algum dinheiro no banco, sacaria tudo, até o último centavo e daria a ele. Porque, afinal, ele gostava de mim, e isso era tanto! Quase mais do que eu podia suportar naquela hora.

- Mas, sei que isso é algo difícil de se ouvir, mas você não é bom. Digo, na literatura...você não é bom. Não que seja ruim, mas não é brilhante.

Dor. Eu quis morrer. Quis matar.

- Por que você diz isso? Você me odeia, não é mesmo? Olha, você ainda tem esse seu cobertor velho, e esse seu sapato furado. E eu, o que eu tenho? Eu só tenho as minhas histórias e mais nada. Sei que você não vai entender, mas está vendo esse meu casaco quente e confortável, essa minha calça limpa e bem passada, ou esse meu sapato lustrado... eu não tenho nada disso. Eu nunca tive.

- Eu entendo. Eu sei disso tudo que você está me falando. Sei que nós dois temos muito pouco.

- Então, por que me diz isso? Por acaso gostaria que eu roubasse suas roupas e o deixasse jogado ao relento nesta noite fria?

- Só disse isso que lhe disse porque posso ajudá-lo. Hoje é um daqueles dias pelos quais você sempre espera e que, no fundo, teme que nunca chegue. Não importa como, posso fazer algo por você. Posso fazer com que você escreva como ninguém, as histórias mais criativas, as idéias mais originais... Posso fazer de você o melhor escritor que já existiu.

Talvez pela bebida, não sei direito, mas o fato é que acreditei piamente naquilo que o velho me falava.

- Por favor, por favor faça isso – disse tombando de joelhos, eufórico, olhos marejados. – Livre-me da mediocridade na única coisa em que me importa ser bom.

- Mas há um porém. Ninguém nunca poderá ler uma linha sequer do que você escrever a partir de então. Será o melhor de todos, mas ninguém além de você saberá disso. Está disposto a pagar esse preço?

Bem, como você está lendo este texto, sabe que escolha eu tomei. Aquele velho parecia muito sábio, de uma maneira até mesmo fantástica. No entanto, o que ele não se deu conta é que em momento algum estive realmente surpreso. Afinal, ele estava em minha história, o único lugar em que controlo tudo, e não há um imprevisto sequer.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

CURTO DIÁLOGO

Ele andava pela rua, distraído como sempre. Absorto? Ela andava pela rua. O fim de mais um dia de trabalho. Um pouco ressentida, pensava em algo que devia ter dito quando a ofenderam, mas que não disse. De repente, ele a aborda:

- Olha, eu sei que isso vai parecer estranho... mas eu te vi caminhando e, quando nossos olhos se encontraram, pensei, será que você pode me ajudar?

- Pois não? _ disse ela num tom complacente.

- Acho que não é isso que você pode estar pensando... Eu não quero nenhuma informação, nem nada do gênero. Eu só pensei que talvez você pudesse me ajudar... se acha que não, por favor, me diga agora; se não disser, será muito pior mais tarde. E então, o que você me diz?...

segunda-feira, 13 de julho de 2009

The Elephants Die Alone

I woke up... without my teeth, I can not smile
I like so much… the way she sleeps, her profile

Alice, perdi minha flauta e minha lira,
mas juro que nunca fui cínico
Será a tragédia a minha sina
ou é só o meu eu – lírico?
Consegui seguir teus passos
enquanto seguias o coelho branco?
Ou ser seguida é muito chato
E acaba em desencanto

“Por que me falas em sina?
Solitário flautista andante
No país das maravilhas
Nada é como antes
De cabeça para baixo ou de pés para cima
De frente para trás, ou de trás para diante”

Sim, eu sei... tudo muda num instante
Numa hora, pequenina; e noutra, gigante
Antes a morte que a rotina e o igual entediante.
Encontrei a canção perfeita, nunca jamais tocada
Que só pode sair direita, em flauta torta ou quebrada
E tu sabes se estás fugindo ou à procura?
Ou à procura enquanto foges...

“Não me sinto em casa em nenhum mundo
Por que este gato tanto sorri?
Há este meu medo tão profundo
Que não revelaria nem a ti”


Although you’re not good, you still being the best
First finish the job, than maybe you can rest

Remember what I told
If there is no pain, sorry, no pen, write with your blood
But, if there are no ideas, I guess you’re just too old

So, my friend, help me to find the true
Is it better to be dead than cold, or better to be dead than cool?

Hey mammy, where is my fake gun? Where are my broken toys?
They said that I’ve never had fun, that I’ve never had joy
Here I am, just your little sick… your little sick boy

I’d rather be high, than crawling in the shit
First you need to tie, and after you need to hit

If you’re bad on your own language, find a foreign one
But if you’re bad on both, I guess you’re already done

I know what they said, and I know what they thought
“There was no love gain, and there is no love lost”

Too many reasons to live, too many reasons to die
Too many reasons to forgive, and too many to deny
Too many reasons to be clean, and too many to be an addict
Until this boring story finish, just keep following the rabbit

I don’t know I don’t know I don’t know I don’t know
I don’t know I don’t know I don’t know why….

quarta-feira, 3 de junho de 2009

EsqQUIzoFrEnIA PARANOID

“Perdendo cansaço... digo, contato.”

“Interrompendo transmissão...”

“Perdendo contato.”

- Meu Deus, Johnny!! Meu Deus... o que é isso? Nós estamos caindo... você não pode deixar cair agora...

“Que merda, Sr. B., nós estamos caindo há pelo menos uma vida, será que não percebeu? O que você está fazendo aqui? Tentando assumir o avião?... O meu avião. A minha porcaria de avião. Volte para a minha caixa preta, quem sabe um de nós sobreviva à truculência... digo, turbulência”.

“Perdendo controle... digo, contato. Merda! Merda! Merda!”

“Perdendo contato, não controle.”

“Interrompendo transmissão...”

- Ei, Johnny, agora que você não precisa mais se preocupar com o avião, quem sabe, consiga dormir.

“Cala a boca, Sr. B., por favor, apenas cale a boca.”

“Transmissão interrompida por tempo indeterminado.”

domingo, 24 de maio de 2009

II - Aquarela de Outono

(Esta poesia é de uma outra personagem do meu livro, Contos de Fado. A personagem se chama Ângela).
II - Aquarela de Outono

Você olha pela janela e vê a chuva de estrelas
E o brilho é tão bonito, que você quase chega a compreender
Que conhecer o infinito é simplesmente não saber
E hoje você sabe, que, na verdade, sempre conhecera

E você olha pra dentro e esquece
Que quando você lembra começa a esquecer
Que a chuva de estrelas desaparece
Se você quiser entender

Será que você não entende
Que toda estrela é diferente
E a igualdade se paga
Com tudo que se apaga

E você olha pela janela
E não há mais estrela, nem céu...
E a esperança que há nela
Se faz das dores a mais cruel

Porque enquanto você procura
Luta, tenta, come e vaga
A noite cada vez mais escura,
No final tudo se apaga

Porque é assim que acaba
Quando se entrega
É assim que se paga
Quando se apega

Pare de cortar o tornozelo,
Talvez o pulso
Por que não raspa o cabelo?
Por falso impulso

Não consigo explicar
(sou tão burra)
Não sei me adaptar
(sou uma intrusa)

Há tantos grupos
(não faço parte)
Não consigo tentar
(sou tão covarde)

Sempre achei meu nome tão feio
Mas dito por sua boca parece poesia
Da maneira que sonhei você veio
E já nem lembro mais o que temia

Só me acorda para ver o fim do mundo
Cada comprimido Vale um sono profundo
Prefiro a falsa paz que a dor verdadeira
Um penhasco, a beira da loucura leva à beira

Ouço passos dele lá fora
Está rondando minha casa
Tanto faz se será ontem, amanhã ou agora
Marcou minha alma com ferro em brasa

Karma-furacão
Me leva ao céu me joga ao chão
Karma-cão-de-caça
Caça o caçado e o cão que caça

Karma-sentinela
Ninguém foge ou escapa
Choro à tua espera
No final, tudo se paga

segunda-feira, 27 de abril de 2009

ROLAMENTO

Os pequenos detalhes são extremamente curiosos. Porque costumam deflagrar a especificidade de uma determinada coisa e, porque, em alguns casos, têm uma grande repercussão. Pode parecer uma fala meio batida, mas extremamente válida.

Havia esse casal de namorados, estavam completamente apaixonados. Eis que quando comiam, num dia qualquer e numa lanchonete qualquer, a moça percebeu um pedaço de alimento preso nos incisivos do rapaz. E aquilo lhe pareceu tão medonhamente repugnante como jamais imaginaria. E a forma como ele falava e ria, inconsciente do ridículo, causava-lhe uma repugnância ainda maior. Mas simplesmente não conseguia avisá-lo, parecia haver algo de hipnótico na repugnância que a imagem provocava nela. O fato é que, depois daquele dia, nunca mais o viu com os mesmos olhos e, pouco tempo depois, terminou o namoro.

Havia este menino que simplesmente idolatrava seu pai. O homem parecia ter uma conduta impecável aos olhos do garoto. Um dia, um desses sujeitos que tenta sobreviver coletando material reciclável para a revenda acabou esbarrando com o seu carrinho na lataria do carro do pai em questão. O episódio, talvez por uma seqüência de outros pequenos detalhes que geralmente acabam omissos, desencadeou tal ira no homem que o binômio causa-efeito pareceu racionalmente inexplicável. Teve origem uma seqüência de impropérios e gestos que beiraram os safanões. A imagem do pobre coitado, simplório e acuado, e do pai colérico jamais foi apagada da memória do menino. E ele jamais viu seu pai da mesma forma.

Havia esse rapaz que nutria uma profunda admiração pelo seu professor. Via-o como se fosse a própria sabedoria personificada. Mas eis que um dia o tal mestre empregou uma palavra errada, um erro que muitos veriam como algo banal, mas que para o aluno foi uma falta sem perdão. Em vez de “a pupila dilatou”, o homem disse “a pupila delatou”. O rapaz desejou que seu professor houvesse morrido a ter dito aquilo. E nunca mais o viu com os mesmos olhos.

Existe uma espécie de padrão no que aqui foi narrado. Profunda admiração, seguida de uma pequena falta, ou algo do gênero, e, finalmente, uma enorme decepção aparentemente injustificável.

Eis que o narrador que vos fala tem uma curiosa relação com as pessoas. Sente por elas uma profunda admiração e, ao mesmo tempo, sente-se decepcionado com todas elas. Mesmo com aquelas que ainda não lhe apresentaram falta alguma, ou até mesmo com aquelas que ainda nem conhece. Então, meu amigo, estive pensando sobre isso tudo de uma maneira muito confusa e tive esse estranho desejo de ver o apocalipse sentado ao seu lado. Por mais que eu mesmo não acredite no apocalipse. Mas foi esta imagem que me passou pela cabeça, o alto de uma montanha num final de tarde e o fogo devorando tudo. Então, riríamos uma última vez antes de sermos engolidos pelas labaredas. E sei que seria um riso espontâneo e sincero. Seria melhor do que decepcionarmos uns aos outros e a nós mesmos ao depararmo-nos com uma vida estável e enfadonha. Às vezes, esse binômio causa-efeito me deixa profundamente intrigado. A maneira como não falha. Creio que a única saída seja ignorar as inevitáveis conseqüências.

sábado, 18 de abril de 2009

A Caixa de Dora

Esta poesia é de uma personagem minha, chamada Dora, do livro "Contos de Fado", que você encontra na banca mais próxima a sua casa (na verdade, você não encontra não, porque sou um pseudoescritor sem editora, mas tem pra baixar aí ao lado, se o link ainda não expirou...) 


A Caixa de Dora

 

Se meu passado fosse mais que perfeito

Meu futuro não seria do pretérito

Se a perfeição não fosse meu único defeito

Errar não seria meu maior mérito

 

Não, eu não falava do futuro do presente

Não, eu não esperava presentes do futuro

É que a ausência sempre esteve presente

Na presença daquilo que é impuro

 

De presente, só ganhei derrotas

Pelo caminho, só perdi as vitórias

E foi quando me encontrei perdida

Que perdi o encontro comigo mesma

 

Veja você,

Há tanto choro que soa como gargalhada

Veja você,

Se o humor é negro, eu sou a piada

Veja você,

Seu riso é doce, minha lágrima, salgada  

 

Sou eu que consumo o tempo

Ou é o tempo que me consome?

O senhor é dono do escravo

Ou escravo é todo homem?

 

Os meninos da cidade fogem da agitação

Se chocando com os do campo

Que seguem na contramão

Será que está tudo errado ou é só o jogo da insatisfação?

 

Levante-me, estenda-me sua mão

Se você tem tantas, quem sabe possa me dar uma

Se isso é meu direito, não abro mão de forma alguma

 

Você deve saber

Que não nasci para deveres

O mundo é que me deve

O direito aos prazeres

 

 

Esqueça-se dos porquês

Nunca houve nenhum sentido

Afogue-se neste mar de clichês

E me leve junto contigo

 

Sei que é triste, mas parece cômico

Suas promessas não cumpridas têm gosto de vômito

Então, vou comê-lo à vontade

Quem sabe, corroendo por dentro, mate esta saudade

 

Quem é aquela que se aproxima?

É a Santa Papoula que brilha

E agora o que eu faço?

Não é preciso nada, há o opiáceo

 

Se pelo menos esta dor fizesse algum sentido

Se ao menos você pudesse explicar

Então te deixaria sofrer comigo

Lâmina longe da ferida, me deixe respirar

 

O que é isso que varre o vazio?

O cansaço do câncer, ou o câncer do cansaço

Não é o vento lá fora, é aqui dentro que está frio

Ria do espetáculo, depois mate o palhaço

 

Antes eu chorava, por aquilo que agora me faz rir

E o inverso disso também é verdadeiro

A molécula destruída também pode construir

Juro que é verdade, para o nosso desespero

 

Carimbo pra nascer, carimbo pra morrer

Meu “eu” de papel vale mais que o de carne

Dor pra morrer, dor pra nascer

O papel que compra, veia que arde

 

Agora sou sede e fome

Perdida no meio do deserto

Se errar é humano, o erro é o Homem

Se o certo é o errado, o errado é o certo

 

Os pedaços da carta voam pela janela

Culpas, desculpas e motivos

Remorso esmaga, compaixão atropela

Perdi e venci o inimigo

 

Agora estou no alto de um prédio

O mistério, alguns andares abaixo

Não há dor sem remédio

Engulo, aplico, enfaixo

 

O cano encostado na fronte

O mistério, no puxar do gatilho

Por favor, não me desaponte

Drama, comédia e martírio

 

A lâmina colada ao pulso

O mistério, no deslizar para o lado

Velhos sonhos guardados avulso

Esqueça o futuro, planeje o passado

 

Estou na banheira com água morna

O mistério, dividido em comprimidos

Aquilo que vai um dia retorna

Nenhuma mordaça sufoca os gemidos

 

Há tantos que vivem por um sonho morto

Há tantos que morrem por um sonho vivo

É na dor que ele encontra conforto

É ela quem me rouba o juízo

 

Pare com esses barulhos

O silêncio, o choro, a sirene

O celular, o lócus coeruleus

A mente que não cala, o corpo que treme

 

No fim que chega para todos

Que me traga pela boca do vazio

Sangrando, nua, cercada por lobos

Estive gritando por séculos, alguém ouviu?

 

Encontre a lógica de todos os absurdos

Velhos sonhos puxam a nova carruagem

Estamos chatos, velhos e sujos

Mas tudo não passa de uma grande bobagem

 

terça-feira, 14 de abril de 2009

In Utero

Eu estava nesse lugar quente e confortável. E sentia que havia alguém que me amava de forma incondicional e, talvez, meio que sem sentir ou sem saber direito, eu também amava essa pessoa. E éramos extensão um do outro, e sei que havia um tipo muito característico de satisfação de ambas as partes por estarmos ligados. E havia esse cordão que não me deixava sentir fome, e esse líquido morno que me protegia de tudo. E não existia medo ou dor. E nem haveria o que desejar. Então, eu saí. Retirado por mãos estranhas. Uma claridade me cegava os olhos, olhos estes que até então nem sabia que existiam. Romperam o tal cordão que evitava que eu sentisse fome, um tipo de desconforto que também não sabia que existia. Separaram-me de um corpo que achava que fosse parte do meu e o tal líquido protetor vazou. E senti frio. Uma das primeiras ações dessas pessoas, seres que até hoje me intrigam e que de maneira geral são chamados de “outro”, foi me bater. Deram-me um tapa e senti dor. Dor é uma dessas coisas que você dá um nome para ter a sensação ilusória de segurança de que sabe o que é, mas que nunca sabe. Pensando melhor, não é apenas com a dor que isso ocorre. Acho que não conheço nada sobre todas as coisas que encontrei depois de sair daquele lugar a não ser seus nomes. E a respeito dessas que não são assim concretas como “porta” ou “sapato”, não sei nem se lhes chamo pelo nome certo. Mas, enfim, deram-me o tal tapa, senti a tal dor e meus pulmões encheram-se de ar pela primeira vez. O que eu acho curioso é que, se eu houvesse morrido logo após ter respirado aquela única vez, teria provado a essência do existir. Teria sentido aquela sensação de incompletude; a dor física e um esboço do que talvez chamaria de medo (outra daquelas palavras que você emprega, mas não sabe direito o que é); uma ânsia de provar o novo, de experimentar aquilo que não sou eu; e inúmeras tentativas de recuperar, claro que sempre parcialmente, aquela sensação de satisfação e conforto que havia lá dentro. Se me perguntassem se vale a pena, eu não teria uma resposta pronta, dessas bonitas e otimistas. Também não teria uma resposta melancólica e pessimista. Acho que diria apenas que, se não tivesse sentido dor, eu não teria aprendido a respirar. 

sábado, 11 de abril de 2009

Carta ao Amigo

Meu amigo, como vai você? Sei que o que você fez foi sem nenhuma pretensão, mas não faz idéia do quanto me ajudou. Em alguns momentos me via nele... Em outros, queria me ver. Tenho certeza de que você era muito parecido com ele também. Às vezes, acho irônico que um dos únicos amigos que tive, uma das poucas pessoas que realmente se parece comigo, nunca tenha existido. Mas, se paro para refletir um pouco, percebo que isso é típico de mim. Será que todas essas coisas estranhas que passam pela minha cabeça também passam, ou passaram, pela sua um dia? Será que me sentiria à vontade para falar com você abertamente sobre todas essas loucuras que vêm me acompanhando há tantos anos? Esses fantasmas também o perseguem até hoje? Eu preciso me livrar deles, talvez você saiba como.

E o isolamento, foi mesmo a melhor saída? Em alguns momentos, anseio por ele com todas as minhas forças. Sei que é uma forma de se evitar a dor, mas você considera que foi mesmo a melhor escolha? Confesso que as relações sociais muitas vezes não parecem valer a pena pra mim. A maioria das pessoas é tão enfadonhamente parecida, e tão decepcionante... Sei que você pensa a mesma coisa. No entanto, algo me ocorreu. O problema não está com eles; nunca esteve. Essa tentativa de culpá-los é só um mecanismo de defesa. Talvez todo esse grande corpo esteja doente, mas talvez a grande habilidade consista justamente em se adaptar a ele. Não são eles que estão errados, meu amigo... Eu e você somos os disfuncionais aqui. Às vezes, penso num veleiro... cortar o oceano sem nada por perto por quanto tempo der. Não sei se suportaria apenas a minha presença por tanto tempo quanto você.

Gostaria de saber o que você acha disso tudo agora, no auge dos seus noventa anos. Há momentos em que me sinto tão velho. Até hoje não consegui pensar em um plano melhor para a minha vida do que aquela sua idéia maluca que dá nome ao livro. E o que você acha da literatura? Ela vale a pena? Hoje eu acho que não, mas ela me ajudou por muito tempo. Foi minha maior fuga e meu único vício. Sinto-me aliviado por você detestar cinema, caso o contrário, todos esses idiotas distorceriam ainda mais o que você disse; e inventariam mais um milhão de bobagens em cima da sua história. Você sabe como eles são, simplesmente não conseguem ver e aceitar a beleza que há no simples. Diga-me, você é tão velho quanto eu? Alguém, um dia, já foi assim tão velho quanto eu?

Você sempre quis saber pra onde os patos e os peixes vão quando o lago congela. Por favor, só queria que você, ou quem quer que tenha a resposta, me respondesse esta única pergunta, e nós, pra onde é que nós vamos quando a droga do lago congela? Pra onde? Pra onde? Pra onde?...

Talvez um dia eles nos deixem em paz, talvez nunca.

Até qualquer hora, meu velho.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

SE BEBER, NÃO DIRIJA

Quem, meus amigos, não gostaria de ser salvo? Por isso os mártires, líderes espirituais e, por que não, os maias fazem tanto sucesso ainda hoje. As famosas profecias sobre apocalipse e salvação... Em minha opinião, esses maias eram uns safados que deviam estar entorpecidos por alguma coisa quando escreveram as tais profecias, e só porque faz muito tempo que fizeram isso, e porque têm um nome como “maias” (não soube que adjetivo usar para classificar tal nome) todos os levam a sério. Quase todos, melhor dizendo. Mas não tenho nada contra os maias, é só minha humilde opinião.

            O fato é que não preciso mais procurar um salvador, encontrei meu messias... Ele se chama Airbag. Um nome tão... tão inglês... tão sofisticado. Adoro esse nome. E que Ser mais altruísta, mais abnegado. Está lá só para me salvar... Sua existência tem como meta apenas a minha salvação. E eu, o que posso fazer por Ti? Queria fazer algum sacrifício também, mas o máximo que posso é pregar Teu nome, correndo o risco de que me chamem de irônico, ou louco, ou estúpido. Ainda assim, jamais Te renegarei... Oh, Airbag! Oh, Airbag!

            A vontade que tenho é de pegar o carro e atirar contra o primeiro poste que ver pela frente, apenas para encontrar-Te, para Te ver surgindo espontaneamente do meio do volante, como uma espécie de epifania. Digam-me, que messias pode ser assim tão concreto, tão palpável quanto o Airbag? Quero ver-Te estampado em todos os lugares... Imagino as meninas portando mini Airbags em formato de coração e aroma de morango... os meninos com chaveiros de Airbags cobertos de octógonos pretos e brancos, lembrando uma bola de futebol.

            Imagino um salão de pessoas, entoando, extasiadas, cânticos em Seu nome, enquanto no altar repousa um volante com um Airbag murcho dependurado, simbolizando o sacrifício em prol do outro. Oh, Airbag, Tu, que proteges minha vida, tão desprovida de propósito; que proteges minha família, tão pura e feliz... O que posso fazer para retribuir? Quero Airbags laterais... frontais... traseiros... diagonais... Quero recobrir as paredes de meu quarto com Airbags, para que possa me atirar contra eles até perder completamente as forças. Tu, que proteges as famílias cheirosas e de dentes alvos, e também os que criticam tais famílias (desde que também sejam cheirosos e tenham dentes alvos). Sei que vieste para o juízo final, para separar o joio do trigo. E sei que somente aqueles que Te possuem serão salvos. Digam-me, meus amigos, quem precisa dos maias?

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Falling Down

A Incrível Menina Mágica

Uma vez eu tive esse sonho maluco. Sonhei que eu estava despencando nesse precipício, aí encontrei um galho e me agarrei nele. Quando eu estava começando a respirar aliviado e tudo, achando que tinha me salvado, o galho quebrou.

            Sabe, um dia desses, eu estava passando na frente de um circo, nunca fui maluco por circo nem nada, mas eu estava passando na frente desse circo e vi que a grana que eu tinha no bolso dava certinho pra comprar o ingresso. Não achei que fosse uma porcaria de sinal, nem coincidência, nem nada, só comprei o ingresso. Aí logo que entrei já me arrependi. Sabe, você nunca deve criar muitas expectativas em cima dos lugares e das pessoas e tudo mais. Achei que seria mais fácil encontrar gente legal num circo do que numa droga de fila de banco ou escritório e essa merda toda. Mas, quando entrei, o lugar estava cheio desses sujeitinhos que só vão lá pra comentar o quanto os palhaços são sem graça, e os leões estão magros e esse monte de porcaria. E também tinha os pais das crianças, com uma cara meio séria e amargurada que me deprimiu pra caramba. Juro que quase caí fora dali quando vi aquelas caras... que se dane se eu já tinha pagado o ingresso e o diabo a quatro. As caras deles estavam mil vezes pior do que a dos seus filhos quando são obrigados a ficar sentados naqueles bancos de madeira durante a porcaria da missa toda. Juro que não entendo um troço desses. A única coisa que salvava aquele lugar eram as crianças, sou maluco por crianças. Não sei como elas conseguem ficar tão felizes num lugar tão deprimente como aquele; só por isso, já teria valido a pena ter pagado a porcaria do ingresso.

            Aí sentei num lugar meio isolado pra não ouvir os comentários daqueles caras metidos a espertalhões, senão juro que eu vomitaria em cima deles. Foi aí que essa garota sentou do meu lado. Logo de cara dava pra ver que ela não era igual a todas as outras garotas. Então ela me perguntou o que eu mais gostava nos circos. Eu falei que nunca tinha pensado sobre isso, que eu não era maluco por circo nem nada, apesar de até achar o lugar legal. Ela disse que gostava das girafas, que era difícil encontrar circos que tivessem girafas e tudo, mas ela era maluca por girafas porque elas eram diferentes de todos os animais, pareciam ter vindo de outro planeta... Também disse que morria de medo de palhaços, que seu coração disparava e que ficava toda arrepiada quando eles davam aquelas gargalhadas. Mas o que ela mais gostava mesmo em todo o circo era da luz que passava pelos buracos da lona. Só então percebi que a lona era inteira esburacada e passava uns fachos de luz pelos buracos. Ela gostava daquelas poeirinhas que ficavam flutuando e se destacavam por onde a luz passava. No fundo você sabe que aquelas poeirinhas ficam voando pelo lugar todo, mas só dá pra ver onde a luz passa por elas. Ela me falou que na verdade as poeiras que ficavam flutuando eram fadas, um monte delas... E que ela própria era uma fada também. Juro que se fosse qualquer outra pessoa que tivesse me dito isso, eu acharia a maior charlatanice do mundo. Teria dado o fora dali na hora. Mas não tinha como não acreditar nela. Você pode achar que eu estou bancando o trouxa, mas se você estivesse ali, aposto que você acreditaria também.

            Sabe o que me deixa mais pirado nisso tudo? É que ela não era o tipo de garota que fica te perguntando em que droga de colégio você estudou ou que porcaria pretende fazer da tua vida. Você podia ficar em silêncio ao lado dela sem se sentir na obrigação de puxar um assunto idiota. Aí, sem mais nem menos, ela me perguntou por que eu tenho estado tão triste. Eu menti que não tenho estado triste nem nada, que só estava pensando na minha irmãzinha porque o hamster dela, o Sr. Dentuço, tinha morrido de repente. A verdade é que minha irmãzinha nunca teve porcaria de hamster nenhum. Juro que não sei por que invento essas besteiras.

            Nunca fui fã desses figurões que tocam guitarra, ou que aparecem em filmes bancando os durões e essa porcaria toda. Pra mim, são todos uns charlatões. Mas eu confesso que virei fã dessa garota de quem estou te falando. Sei que parece que eu estou exagerando e tudo, mas acho que ninguém consegue passar cinco minutos ao lado dela sem virar seu fã. Sabe, tem pessoas que, se fizessem parte de uma história, seriam protagonistas e pessoas que seriam coadjuvantes. Tenho certeza que ela era a protagonista ali e todos aqueles sujeitos que estavam no circo, inclusive eu, eram só os coadjuvantes da história dela. Juro que me senti feliz pra caramba por ser um coadjuvante.

Acho que eu devo ter passado uns quarenta minutos ao lado dela, mas parecia que eu a conhecia há uns trocentos mil anos. Aí ela me falou que precisava ir embora pro tal mundo mágico, que é onde as fadas vivem e tudo. Disse que ela passava um tempo entre os humanos, aí, quando enjoava, voltava pro mundo mágico. Quando estava de saco cheio das tais fadas e seres mágicos e tudo, ela vinha outra vez pro mundo dos humanos. Puxa, eu fico doido quando escuto uma coisa legal assim. Mas a verdade é que na hora tive vontade de explodir a droga do tal mundo mágico... Aí ela não teria como ir embora. Mas depois eu pensei que seria muito injusto prender ela pra sempre no meio de toda aquela gente chata...

Quando ela estava saindo, eu falei pra ela: “Espera, me diz o que eu devo fazer da minha vida... Fala qualquer coisa, a primeira que vier na tua cabeça. Olha só, se você me disser que eu devo ser um desses charlatões que vendem revistas de casa em casa é exatamente isso que vou fazer. Ou se você disser que eu devo passar o resto da minha vida pilotando uma droga de um ultraleve. Olha só, eu não rasparia minha cabeça por dinheiro nenhum desse mundo, mas se você disser que eu devo ir pro Nepal e virar um daqueles monges carecas, juro que eu viajo pra lá hoje mesmo. Melhor, eu nunca gostei desses militares metidos à besta, mas se você me pedir pra ir agora pra porcaria do exército, no duro que vou direto pra lá e passo o resto da vida batendo continência pra aqueles figurões... Você só tem que dizer qualquer coisa”.

Aí ela sorriu pra mim e desapareceu. Acho que ela deve ter virado uma fada ou algo assim e ido pro tal mundo mágico. Não sei por que falo essas besteiras, podia ter falado um milhão de coisas pra ela e fui falar logo esse troço estúpido do que eu deveria fazer da porcaria da minha vida. Acho que eu devia ter dito pra ela que, se ela dissesse que iria voltar, nem que fosse só por um dia, eu passaria uns setenta anos esperando ali naquele circo, sentado na mesma droga de lugar. Puxa, eu nunca sei mesmo a coisa certa pra se dizer e depois fico doido por causa disso.

Eu não sei se eu já te falei desse sonho que eu tive uma vez. Foi um sonho maluco pra caramba. Sonhei que eu estava caindo numa porcaria de despenhadeiro e aí, quando eu achei que já estava tudo perdido, encontrei um galho e me agarrei. Na hora que eu estava respirando aliviado porque achei que tinha me salvado e tudo, o galho quebrou. Puxa... 

sexta-feira, 27 de março de 2009

MONÓXIDO DE CARBONO

Você consome energia para ser consumido pelo tempo

A Terra parece um cachorro correndo atrás do próprio rabo...

Mas não me atrevo a dizer que é inútil

Nada é mais chato do que intelectuais

Escolho o simples, não sei se por opção, revolta ou incapacidade

           

E você queria ser algo mais do que membrana e núcleo

Mas não é

E você queria ser algo além de um símbolo no cérebro de alguém

Mas não é

E você queria que houvesse algo lá fora que ainda pudesse te surpreender

Mas não há

Parece que é de nossa natureza querermos ser algo além do que somos

Mas não somos

           

Vejo minha vasta coleção de devaneios ser destruída pela rotina

Mas aceito

Procuro a perfeição atrás de cada cortina

Um conceito

Nada é mais clichê do que usar rimas

Meu defeito

           

Poesia é falar sobre o que não precisa ser dito...

Há algo que precisa?

 

E você relê seu texto besta, que tinha tudo para soar melancólico

Toma mais um gole de chá e sorri, sem ter a menor idéia do porquê. 

segunda-feira, 23 de março de 2009

A BIG FUCKING TELEVISION

Sabe, eu conheci esse cara. Ele era diferente, não estou dizendo que ele fosse especial, e nem que não fosse. Ele era inteligente, tinha estudado em bons colégios e essa coisa toda. Ele dizia que era sua memória; que tinha facilidade pra lembrar das coisas, por isso, acabou se tornando até um pouco preguiçoso no que diz respeito a essas balelas intelectuais. Me disse que nada o deixava mais deprimido do que ser chamado de inteligente. Me disse também que os personagens são sempre mais legais que as pessoas; que, no fundo, não são tão legais quanto parecem num primeiro momento, mas, ainda assim, são mais legais do que as pessoas.

            Ele resolveu virar frentista porque queria conhecer uma garota legal e que fosse capaz de aceitar namorar um frentista. Me disse que não costumava gostar das garotas que eram tidas como o padrão de beleza pelos outros. Me disse que não costumava gostar das mesmas coisas que os outros. Disse que não conseguia ficar maluco por causa de uma TV de plasma, apesar de gostar da palavra “plasma”. Disse que quando ouvia a palavra “plasma” a primeira coisa que lembrava era de ficção científica, e depois de sangue. Gostava um pouco mais das TVs de plasma do que da maioria dessas bugigangas tecnológicas porque pelo menos não tinham um nome muito gay, como palm top e I-phone. Disse que não gostava de carros, apesar de trabalhar como frentista. Não tinha vontade de comprar muitas coisas além de comida e bebida. Disse que talvez sentisse vontade de comprar pirocópteros se encontrasse pra vender em alguma loja. Mas nunca tinha encontrado porque a maioria das pessoas gosta de I-phones e não de pirocópteros. Ele me disse que gostava de ver as cores dos gibis velhos, que lhe provocavam uma impressão triste, mas ainda assim gostava. Disse que havia uma explicação psicanalítica pra isso, mas disse que queria esquecer dessa porcaria. Me disse que sua memória sempre estabelecia relações entre as coisas e que estava cansado disso. Disse que era devido as sinapses, que os neurônios estabelecem interconexões proporcionais a quantia de estímulos que recebem e que, numa determinada época, havia estimulado seus neurônios. Disse que sentia raiva por saber disso, mas que não havia nada que pudesse fazer para conter as sinapses. Disse que mais cedo ou mais tarde ele sempre acabava falando esse tipo de merda. Disse que uma vez tentou fazer vodka caseira, mas que algo deu errado no mosto que acabou apodrecendo. Disse que até hoje não sabe por que tentou fazer vodka caseira se há vodkas baratas e daria muito menos trabalho comprar uma. Ele me disse que a maioria das pessoas não olha em seus olhos quando ele as atende em seu trabalho. Disse que no fundo todos acham que ele deve ser um tipo de máquina, que só sabe encher o tanque com gasolina e não pensa em mais nada. Me disse que se sente bem por o encararem dessa forma. Ele me disse que acha que nunca vai encontrar uma garota que seja capaz de gostar dele enquanto frentista e que também seja capaz de achar pirocópteros mais legais do que I-phones. Disse que numa época isso quase o deixou maluco, mas que agora se acostumou com a idéia. Disse que, depois de algum tempo, somos capazes de nos adaptar a muito mais coisas do que imaginamos. Me disse que não sabe se isso é bom.

            Que droga de sujeito! Sabe, quando você encontra esses caras, pode até achar engraçado a princípio, mas, depois, você fica pensando sobre a coisa toda e sente uma agonia desgraçada. Nunca tinha encontrado um tipo tão esquisito assim até eu abandonar a faculdade e vir trabalhar nesse lava-car. Também não gosto de carros, mas acho aquelas escovas giratórias gigantes simplesmente fantásticas. Elas me lembram aqueles sorvetes americanos, só que mais coloridas. Será que existe algum lugar que vende sorvete americano de sabor misto?     

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Quando a Dúvida é Certeza

São tantas coisas que poderiam ser mudadas

Não sei por que estes meninos, ainda tão jovens, têm tantos problemas

Se vejo alguém chorando baixo, tudo desaba em todas as direções

Eu queria consertar pelo menos uma fração... tudo que eu queria

Então rezo no escuro, talvez pela última vez, mesmo que ninguém me ouça

 

Rezo pra que não sejamos retas paralelas

Pra que nossas avenidas se cruzem em algum ponto

Rezo pra que não sejamos partes perdidas no vácuo

Pra que essa força estranha que ainda resiste possa consertar

Consertar tudo... ou pelo menos um pouco...

 

Reclamo mais do que faço e desejo mais do que tento

Às vezes sento e apenas observo

Ainda que você não me conheça e não acredite em mim

Vou tentar mais uma vez... não que eu seja mais forte

Mas é que por enquanto somos todos partes flutuando

E só temos uns aos outros...

 

Se a decisão coubesse a mim

Estaríamos todos juntos pra sempre

E não haveria mais dor, culpa ou medo

Te compreendo e qualquer coisa que te conforte me parece válida

 

Mesmo que eu nunca tenha uma chance

Me sinto mais tranqüilo sabendo que alguém teve

Talvez o último fôlego não leve tão longe

Talvez a solidão que habita o vazio seja mais forte

Mas perdôo tudo... porque fui sincero

O mais sincero que pude

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

CONFISSÕES

Eu não sei se você já reparou no vôo dos patos (sem referências a Holden). Hoje eu estava observando eles e achei simplesmente incrível como dão aqueles vôos rasantes que quase tocam a superfície da água, passam realmente muito perto. E são capazes de voar assim por mais de cem metros. Se hoje eu tivesse o direito de ter um único pedido realizado, e mesmo que fosse o único pedido a que teria direito em toda a minha vida, pediria para poder dar um vôo daqueles. Sei lá por quê.

Uma vez, joguei xadrez com uma pessoa e, não sei se deixei ela ganhar, mas me senti muito feliz por eu ter perdido.

Agora pego esta caneta e penso em escrever algo. Mas uma voz em minha cabeça me diz: “Se não for algo único, que realmente valha a pena, nem comece”. Me pergunto se algum dia já escrevi algo único e que realmente valeu a pena. Largo a caneta com uma sensação estranha, como se nunca houvesse estado completamente em lugar algum.

Malditos patos!