sábado, 11 de abril de 2009

Carta ao Amigo

Meu amigo, como vai você? Sei que o que você fez foi sem nenhuma pretensão, mas não faz idéia do quanto me ajudou. Em alguns momentos me via nele... Em outros, queria me ver. Tenho certeza de que você era muito parecido com ele também. Às vezes, acho irônico que um dos únicos amigos que tive, uma das poucas pessoas que realmente se parece comigo, nunca tenha existido. Mas, se paro para refletir um pouco, percebo que isso é típico de mim. Será que todas essas coisas estranhas que passam pela minha cabeça também passam, ou passaram, pela sua um dia? Será que me sentiria à vontade para falar com você abertamente sobre todas essas loucuras que vêm me acompanhando há tantos anos? Esses fantasmas também o perseguem até hoje? Eu preciso me livrar deles, talvez você saiba como.

E o isolamento, foi mesmo a melhor saída? Em alguns momentos, anseio por ele com todas as minhas forças. Sei que é uma forma de se evitar a dor, mas você considera que foi mesmo a melhor escolha? Confesso que as relações sociais muitas vezes não parecem valer a pena pra mim. A maioria das pessoas é tão enfadonhamente parecida, e tão decepcionante... Sei que você pensa a mesma coisa. No entanto, algo me ocorreu. O problema não está com eles; nunca esteve. Essa tentativa de culpá-los é só um mecanismo de defesa. Talvez todo esse grande corpo esteja doente, mas talvez a grande habilidade consista justamente em se adaptar a ele. Não são eles que estão errados, meu amigo... Eu e você somos os disfuncionais aqui. Às vezes, penso num veleiro... cortar o oceano sem nada por perto por quanto tempo der. Não sei se suportaria apenas a minha presença por tanto tempo quanto você.

Gostaria de saber o que você acha disso tudo agora, no auge dos seus noventa anos. Há momentos em que me sinto tão velho. Até hoje não consegui pensar em um plano melhor para a minha vida do que aquela sua idéia maluca que dá nome ao livro. E o que você acha da literatura? Ela vale a pena? Hoje eu acho que não, mas ela me ajudou por muito tempo. Foi minha maior fuga e meu único vício. Sinto-me aliviado por você detestar cinema, caso o contrário, todos esses idiotas distorceriam ainda mais o que você disse; e inventariam mais um milhão de bobagens em cima da sua história. Você sabe como eles são, simplesmente não conseguem ver e aceitar a beleza que há no simples. Diga-me, você é tão velho quanto eu? Alguém, um dia, já foi assim tão velho quanto eu?

Você sempre quis saber pra onde os patos e os peixes vão quando o lago congela. Por favor, só queria que você, ou quem quer que tenha a resposta, me respondesse esta única pergunta, e nós, pra onde é que nós vamos quando a droga do lago congela? Pra onde? Pra onde? Pra onde?...

Talvez um dia eles nos deixem em paz, talvez nunca.

Até qualquer hora, meu velho.

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