sexta-feira, 29 de agosto de 2008

O Misterioso Peixinho Dourado

Essa você não vai acreditar! Pode parecer a maior palhaçada do mundo, mas um dia eu pensei em ser escritor. Eu sei, pode rir. Todo aquele monte de merda, tipo, os caras julgando o que você fez, dando palpite: “Acho que essa parte aqui poderia ser diferente, não ficou tão realista assim...”. Então vai escrever tua merda de história realista. Se você quer realismo, contente-se com a tua vida, chata pra cacete, e bem realista.

Isso sem falar na porcaria das editoras, com um editor safado que, se te aceitar, vai ser só pensando em encher o rabo de dinheiro. Na estante dele você vê: “O monge e o executivo, uma história sobre a essência da liderança”. Não consigo ler um título desses e achar que o cara que escreveu não estava de sacanagem. Você pode achar que eu estou com dor de cotovelo ou sei lá o quê, porque o cara deve vender muito. Mas a verdade é que não, nunca escrevi pensando em vender nem nada. Literatura é como montar quebra-cabeça, ou tocar violão sozinho, ou sentar no meio de uma praça no final da tarde. Qualquer coisa com mais pretensão que isso vira um monte de cocô gigante. E ninguém mais tem vontade de ler; e todo o escritor vira um babaca metido à besta; e todo mundo quer que o figurão assine seu livro e faça uma dedicatória, e ele manda uma mensagem piegas e clichê pra caramba. E, depois disso tudo, você nunca mais tem vontade de escrever outra vez.

Mas tem uma coisa ou outra que ainda é divertida, tem uns caras aí que ainda merecem ser lidos, porque eles escrevem por escrever mesmo, e não porque querem te vender um monte de porcaria ou se achar os senhores intelectuais. Tem esse cara, irmão de um amigo meu, ele escreveu uma história chamada: “O misterioso peixinho dourado”. A história é divertida pra caramba, sei que vou estragar ela, porque não vou lembrar na íntegra e ele escreve muito melhor do eu, mas é mais ou menos assim.

“O garotinho tinha enchido o saco da mãe dele a semana inteira pra ir ao parque de diversões, até que, finalmente, o dia havia chegado. Era um sábado. Puxa, como ele gostava de parques de diversões! Não era nem pelos brinquedos nem nada. Não que ele não gostasse dos brinquedos, mas tinha coisas que ele achava muito mais legais. Por exemplo, o cheiro de todas aquelas comidas diferentes e os cachorros sem dono que ficavam passeando por lá. Ele gostava de imaginar que esses cachorros eram inteligentes e conseguiam se comunicar uns com os outros e com outros animais também, e que sempre estavam bolando alguma aventura. Nossa, ele podia imaginar a história toda. Quando deitava na sua cama, ele ficava pensando na tal história. O líder do grupo dos animais era sempre algum cachorro mesmo, e eles estavam sempre querendo desmascarar algum safado, que sempre era um ser humano. Podiam estar querendo meter em cana o dono do parque, por exemplo, que, na história que ele imaginava, maltratava um macaquinho que havia sido comprado na Turquia. Na verdade, o dono do parque tentava adestrar o tal macaco, pra, se caso fosse possível, treinar um monte deles pra ficarem trabalhando nas bilheterias de graça”.

“Puxa, esse garoto era divertido mesmo! Ele também gostava de comprar maçãs do amor, não gostava muito de comer elas, porque eram meio duras e ficavam grudando nos dentes. Mas ele adorava a cor delas, e o jeito como eram brilhantes. Sua mãe sempre dizia que não adiantava comprar porque ele ia acabar não comendo mesmo. Mas ele sempre conseguia convencer ela, depois dizia que estava com dor de barriga ou algo assim e pedia pra ela guardar pra ele comer depois. Quando chegava em casa, ele dava a maçã pro gato, que até tentava comer ela no começo; só que aí ela saía rolando e ele esquecia que estava tentando comer e começava a bater ela de um lado pro outro por toda a casa”.

“A brincadeira que ela mais gostava em todo o parque era derrubar latas. Já tinha conseguido alguns prêmios relativamente bons. “Relativamente” porque esses caras dos parques são uns safados que sempre tem medo de sair perdendo alguma grana e, geralmente, só colocam alguns prêmios baratos. Mas, uma vez, ele conseguiu um urso de pelúcia que batia quase na sua cintura, só que o urso era rosa, aí ele deu pra sua mãe. De qualquer forma, ele não ficou triste, porque o urso era até que bem bonito e a sua mãe sempre lhe dava um monte de coisas legais e ele nunca dava nada a ela, tirando os presentes da escola quando tinha dia das mães e essas coisas. Mas ele achava que isso não contava, porque era ela mesma que dava o dinheiro pra ele comprar o presente. Puxa, ele tinha uma raiva disso! E os idiotas da escola sempre pediam a droga do dinheiro na semana do dia das mães, como se as mães fossem tapadas e não fossem desconfiar de nada. Claro que tinha aqueles que podiam pedir a grana aos pais em vez das mães, mas não era o caso dele... De um jeito ou de outro, o mais sensato seria pedir o tal dinheiro logo no começo do ano, que aí quando chegasse o dia das mães, elas nem lembrariam de nada e o presente realmente seria uma surpresa. Puxa! Ele tinha pensado nisso como se fosse a coisa mais óbvia do mundo e só tinha 10 anos. Realmente, ele não sabia o que se passava com aquelas professoras!”

“Mas o fato é que ele pediu pra sua mãe comprar um bilhete pra ele tentar derrubar algumas latas. Ele tinha direito a 5 bolas. Puxa, esses caras do parque eram mesmo uns pilantras! Pelo que ele lembrava, no ano anterior eram 8 bolas. Mas tudo bem, ele não podia deixar que esse tipo de golpe baixo o desconcentrasse. Errou as duas primeiras bolas, acertou a terceira e a quarta, e errou a última. Ou seja, ganhou dois prêmios. Um deles era um pequeno revólver que atirava água, ele até teria se empolgado com o prêmio se o outro não fosse muito mais legal. Um peixinho dourado! Puxa, isso sim que era prêmio! Ele veio dentro de um saco plástico. E o menino ficou doido de vontade de voltar correndo pra casa e colocar ele dentro de um aquário ou pelo menos numa jarra de vidro. Ele não sabia explicar por que, mas achava que, se ele fosse um peixe, odiaria ser colocado numa droga de saco plástico”.

“A mãe dele não teve escolha, teve que voltar correndo pra casa mesmo. Ele se sentiu meio culpado, porque ela nem pode ver os avestruzes. Ela adorava os avestruzes, por esse tipo de coisa que ele achava ela a mãe mais legal do mundo. Ela sempre dizia pra todo mundo que era ele quem era maluco pelos avestruzes e, quando eles estavam no parque, ela dizia: “Depois a gente pode dar uma passadinha pra ver os avestruzes; quando eu tinha a sua idade eu era maluca por avestruzes”.

“Ele se sentiu meio culpado por apressar ela e tudo, mas ele tinha a impressão de que o peixe iria morrer a qualquer momento se continuasse na droga de saco plástico. Ele acabou encontrando um aquário antigo, de um outro peixe que havia tido uma vez, mas que só sobreviveu umas duas semanas. Ele gostava dos peixes porque eles só querem levar a vida deles, sabe. Tipo, eles passam a vida inteira trancafiados e nunca reclamam de nada. Tá, tudo bem que nem podem reclamar mesmo, mas o fato de não poderem reclamar já os torna mais legais que os outros bichos. Se você tem um gato, por exemplo, ele começa a se esfregar na tua perna e a bancar o teu amigo, depois começa a miar feito um doido pra você colocar ração na droga da tigela dele. Não agüento um troço desses. Não sei porque ele não pede só a comida e pronto, seria mais honesto da parte dele”.

“Tudo bem, ele colocou o peixe no aquário e lembrou que ele precisava de ração. Puxa, como ele esqueceu disso! Eles deviam ter ração pra vender no parque, se é algo que eles podem vender, eles sempre têm. O troço deixou ele meio desesperado, porque ele não queria que o peixe morresse por falta de comida. Mas aí a mãe dele o tranqüilizou e disse que podiam comprar comida no dia seguinte, que os peixes podiam passar semanas sem comer e tudo. Ele duvidou um pouco dessa parte, mas ele também achava que o peixe não morreria por não comer naquela noite. Ele foi deitar e só então percebeu o quanto estava cansado. Caiu na cama e apagou. Acordou no meio da madrugada e resolveu dar uma conferida no peixe, só pra ter certeza de que ele ainda estava vivo. Chegou bem perto do aquário, encostou o dedo na superfície da água e o peixe subiu, bem devagar. A mãe dele tinha razão, os peixes deviam ser resistentes mesmo, porque, afinal de contas, num rio ninguém vai lá atirar alimentos nem nada. Eles tem que se virar com os insetos e com os troços que caem das árvores. Ele ficou mais um tempo olhando o peixe, pensando o quanto deveria ser chato viver trancado num aquário. Ele se virou, deu três passos em direção ao seu quarto e, então, o mundo explodiu”.

Isso mesmo, o conto acabava assim, o mundo explodiu. Eu vibro com um troço desses. Não sei por que o irmão do meu amigo resolveu escrever esse final. Não sei se estava com preguiça de continuar escrevendo ou se tinha pensado nisso desde o começo, talvez ele tenha tentado fazer um final engraçado ou estava sem idéia. Sei lá, só sei que até hoje eu não consegui pensar num final melhor. Sei que a maioria das pessoas pra quem eu contei essa história até hoje, achou ela estúpida e sem sentido. Porque a maioria das pessoas sempre tenta encontrar sentido pra tudo, como se a vida delas fosse legal pra caramba e cheia de sentido. Aí elas começam a comprar esses livros intitulados “o monge e sei lá o quê”, que deve ser cheio de propósitos e esses montes de encheção de saco. Aí, lá no fundo, você se sente deprimido pra caramba, por as pessoas gostarem desse tipo de porcaria e detestarem o conto do peixinho dourado, do irmão do meu amigo. Um amigo meu me disse uma vez que você sabe se a história é boa se, quando você acaba de ler ela, você tem vontade de telefonar pro cara que escreveu, só pra bater um papo sobre qualquer coisa besta. Eu fiquei com uma vontade danada de ligar pro autor do “misterioso peixinho dourado”. Não sei se alguém tem vontade de ligar pros caras que escrevem “o monge e não sei quem”, talvez tenha.

O que eu acho engraçado é que esse irmão do meu amigo até que é um escritor relativamente conhecido e, sei lá como, ele conseguiu publicar esse conto numa revista. Eu fico imaginando a cara daqueles charlatões, metidos a crítico e tudo, daquele tipo que nunca riu de uma piada durante toda a vida e sempre tirou dez em tudo na escola, eu fico imaginando a cara desses sujeitos quando leram o conto do misterioso peixinho dourado. Puxa, eu fico doido com um troço desses!

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Ágata e o Crepúsculo

Ágata ainda é jovem, o mundo ainda parece fresco para ela. Gosta de passear pelo jardim botânico nos fins de tarde, ou de sentar-se em algum banco da praça que fica próxima a sua casa, esperando que o sol comece a se pôr. Mas não hoje.

Ágata gosta de poesia. Sabe recitar mais de uma dezena delas de cor, e também escreve suas próprias. Sabe tocar flauta, e até compôs uma ou outra melodia que nunca mostrou para ninguém. Mas não hoje.

Ágata gosta de cinema. Várias vezes, abandonou uma aula tediosa para assistir a algum filme que estivesse em cartaz. Gosta de sentir o cheiro de pipoca ou de deixar-se cair no sono, recostada confortavelmente na poltrona; sente-se mais segura para dormir, sabendo que há outros por perto. Mas não hoje.

Ágata gosta de sentar-se diante de algum lago de água parada, ou de um riacho de água corrente. Gosta de ver os insetos andando pela superfície límpida, sem afundar; ou de atirar ramos na corredeira e vê-los se afastando até sumir das vistas. Mas não hoje.

Hoje, a barriga de Ágata ronca, e seu armário está vazio.

domingo, 3 de agosto de 2008

BANAL

J. S. é um rapaz de 18 anos. Possui 3 irmãos mais novos, duas meninas e um menino. Pais divorciados, família de classe média baixa. Trabalha meio período como caixa numa loja de conveniências de um posto de combustível. Estuda para ter um futuro melhor. “Persiga o futuro para não ser esmagado pelo presente”.

J. S. não possui amigos, nem namorada. Até tentou, mas concluiu que não valia o custo-benefício. Nos finais de semana, bebe em um terreno baldio próximo a sua casa. As costas encostadas contra o muro frio, as roupas molhadas pelo sereno. Serenidade... O barulho dos grilos é sobrepujado pelo som de seu MP3.

No dia seguinte, ele acorda cedo. Repete sua rotina. Anda até o ponto de ônibus. Repara num outdoor novo. Na imagem, uma moça anda de bicicleta, com os braços abertos e o tronco inclinado para trás. Parece se sentir tão livre. Parece haver tanta poesia naquela cena. Não lê o slogan... Por que será que ela se sentia tão livre? Se tivesse que arriscar, diria que era uma manhã de outono.

J. S. ouve uma freada brusca. Sente um primeiro impacto na altura de seus joelhos, o tronco bate contra o capô e a cabeça contra o pára-brisa. Seguem-se alguns segundos de silêncio e, deitado no asfalto, ele não tem dúvidas: aquele é o dia mais bonito de sua vida.

TELL ME... WHERE´S GANDALF?