Odeio todos os segredos mais secretos
Que permanecerão em segredo para sempre
Te presenteio com um ramalhete de dejetos
Tragando na fumaça o câncer inerente
A fisionomia tosca de um lábio sem sorriso
O hálito podre de uma boca sem dentes
A podridão é tudo que é preciso
Quando a culpa já não encontra inocentes
Uma canção de louvor entoada aos berros
O êxtase ou qualquer vislumbre de alegria
Enquanto isso, todas as dores que em mim encerro
Transformam o respirar no ritmo da agonia
O pecado original é a reprodução
E meu pecado foi não ser original
O repetir é o pecado capital
A cópia é a originalidade na inovação
Sorria, você é o fruto do ontem
Sorria, uma polpa podre não envolve sementes
Não chore, você serve de adubo para minha árvore
Não chore, no meu pomar todas as plantas são diferentes
A presença do vazio é a ausência do presente
Será que nada que é eterno dura pra sempre?
Ou será que tudo é nada e com a eternidade não é diferente?
Se com 4 letras o nada se torna algo
E se tudo cabe em 4 também
É natural que com 8 eu tenha o universo
Ou será que com 3 ele me tem?
O que vocês debatiam na grande mesa?
Enquanto eu me debatia no chão
Degustavam sofisticadas sobremesas
E eu catava as sobras da mesa com as mãos
Já não há mais alimento lá fora
Talvez devêssemos fazer uma sopa de dinheiro
Calma aí, aguarde sua hora
Eu tenho o direito de comer primeiro
Irmão, você me mataria enquanto durmo?
Bom demais pra ser verdade
Liberta-me desse mundo
E me perdoa por ser covarde
Perceba a gravidade da situação
Há uma força que me puxa para baixo
Quando quero sair do chão
Não acho, não me encaixo, ladeira abaixo
Isso é grave, a grave idade
Isso é grave, a gravidez
Isso é lenda, a feliz idade
Está na cara a insensata tez
Desligue a TV e o som
Esse barulho é o rádio em atividade, radioatividade?
A velhice é tão triste, é um mal da idade, maldade
Um dia tentei ser bom
Recobre o fluxo... fluoxetina
Há tanta serenidade, tanta serotonina
O apocalipse já foi anunciado
Por meninos sujos de jeans rasgado
Somos todos ordinários, infeliz verdade
Somos unidades comuns, mas não somos comunidade
Um muro que me divide ao meio
Metade sonho que passou, metade sonho que não veio
Há tanto código que barra,
Metade pelo dinheiro, metade pela raça
Não admiro o Novo Mundo
Mas me admira o Mundo Novo
Quando tudo é vulgar e sujo,
Sou o mais vulgar de todos
Como é extensa
Essa tortuosa linha de montagem
Sou só mais uma peça
A gangrena e a engrenagem
Girando sobre o eixo
Sem nunca sair do lugar
Me desgasto mas não me queixo
Fui feito para girar
Fiz das tripas coração
Pra não fazer do sonho excremento
Mas me perdi na solidão
Quem me abriga é o relento
Tudo é jogo
Jogo é tudo
Todos gritam: dependência ou morte
Sabe o que é mais absurdo
Por azar não tenho sorte
Veja a grande luz violeta no céu
Um radiante anjo chamado Urânio
Derrete-me os ossos com o calor de seu véu
Deforma meus filhos, membros e crânio
Como matar o tempo que me mata?
Que tal um cigarro?
Sou esperança, membrana, alma
E catarro
De que adianta ser profundo
Num mundo assim tão raso?
O ser humano, o ser imundo
Te amo, te odeio, te mato
Socorro!
Os soldados estão vindo
Com sangue nos olhos
E eu jorro sangue pela boca
Hímen, honra... espólios
A bala zunindo...
Natureza, vadia louca
Se você pudesse ver o que eu vejo
Seu coração derreteria
Um breve lampejo
Dos jardins da agonia