sexta-feira, 27 de março de 2009

MONÓXIDO DE CARBONO

Você consome energia para ser consumido pelo tempo

A Terra parece um cachorro correndo atrás do próprio rabo...

Mas não me atrevo a dizer que é inútil

Nada é mais chato do que intelectuais

Escolho o simples, não sei se por opção, revolta ou incapacidade

           

E você queria ser algo mais do que membrana e núcleo

Mas não é

E você queria ser algo além de um símbolo no cérebro de alguém

Mas não é

E você queria que houvesse algo lá fora que ainda pudesse te surpreender

Mas não há

Parece que é de nossa natureza querermos ser algo além do que somos

Mas não somos

           

Vejo minha vasta coleção de devaneios ser destruída pela rotina

Mas aceito

Procuro a perfeição atrás de cada cortina

Um conceito

Nada é mais clichê do que usar rimas

Meu defeito

           

Poesia é falar sobre o que não precisa ser dito...

Há algo que precisa?

 

E você relê seu texto besta, que tinha tudo para soar melancólico

Toma mais um gole de chá e sorri, sem ter a menor idéia do porquê. 

segunda-feira, 23 de março de 2009

A BIG FUCKING TELEVISION

Sabe, eu conheci esse cara. Ele era diferente, não estou dizendo que ele fosse especial, e nem que não fosse. Ele era inteligente, tinha estudado em bons colégios e essa coisa toda. Ele dizia que era sua memória; que tinha facilidade pra lembrar das coisas, por isso, acabou se tornando até um pouco preguiçoso no que diz respeito a essas balelas intelectuais. Me disse que nada o deixava mais deprimido do que ser chamado de inteligente. Me disse também que os personagens são sempre mais legais que as pessoas; que, no fundo, não são tão legais quanto parecem num primeiro momento, mas, ainda assim, são mais legais do que as pessoas.

            Ele resolveu virar frentista porque queria conhecer uma garota legal e que fosse capaz de aceitar namorar um frentista. Me disse que não costumava gostar das garotas que eram tidas como o padrão de beleza pelos outros. Me disse que não costumava gostar das mesmas coisas que os outros. Disse que não conseguia ficar maluco por causa de uma TV de plasma, apesar de gostar da palavra “plasma”. Disse que quando ouvia a palavra “plasma” a primeira coisa que lembrava era de ficção científica, e depois de sangue. Gostava um pouco mais das TVs de plasma do que da maioria dessas bugigangas tecnológicas porque pelo menos não tinham um nome muito gay, como palm top e I-phone. Disse que não gostava de carros, apesar de trabalhar como frentista. Não tinha vontade de comprar muitas coisas além de comida e bebida. Disse que talvez sentisse vontade de comprar pirocópteros se encontrasse pra vender em alguma loja. Mas nunca tinha encontrado porque a maioria das pessoas gosta de I-phones e não de pirocópteros. Ele me disse que gostava de ver as cores dos gibis velhos, que lhe provocavam uma impressão triste, mas ainda assim gostava. Disse que havia uma explicação psicanalítica pra isso, mas disse que queria esquecer dessa porcaria. Me disse que sua memória sempre estabelecia relações entre as coisas e que estava cansado disso. Disse que era devido as sinapses, que os neurônios estabelecem interconexões proporcionais a quantia de estímulos que recebem e que, numa determinada época, havia estimulado seus neurônios. Disse que sentia raiva por saber disso, mas que não havia nada que pudesse fazer para conter as sinapses. Disse que mais cedo ou mais tarde ele sempre acabava falando esse tipo de merda. Disse que uma vez tentou fazer vodka caseira, mas que algo deu errado no mosto que acabou apodrecendo. Disse que até hoje não sabe por que tentou fazer vodka caseira se há vodkas baratas e daria muito menos trabalho comprar uma. Ele me disse que a maioria das pessoas não olha em seus olhos quando ele as atende em seu trabalho. Disse que no fundo todos acham que ele deve ser um tipo de máquina, que só sabe encher o tanque com gasolina e não pensa em mais nada. Me disse que se sente bem por o encararem dessa forma. Ele me disse que acha que nunca vai encontrar uma garota que seja capaz de gostar dele enquanto frentista e que também seja capaz de achar pirocópteros mais legais do que I-phones. Disse que numa época isso quase o deixou maluco, mas que agora se acostumou com a idéia. Disse que, depois de algum tempo, somos capazes de nos adaptar a muito mais coisas do que imaginamos. Me disse que não sabe se isso é bom.

            Que droga de sujeito! Sabe, quando você encontra esses caras, pode até achar engraçado a princípio, mas, depois, você fica pensando sobre a coisa toda e sente uma agonia desgraçada. Nunca tinha encontrado um tipo tão esquisito assim até eu abandonar a faculdade e vir trabalhar nesse lava-car. Também não gosto de carros, mas acho aquelas escovas giratórias gigantes simplesmente fantásticas. Elas me lembram aqueles sorvetes americanos, só que mais coloridas. Será que existe algum lugar que vende sorvete americano de sabor misto?