quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

PUERIL

A felicidade que nunca esteve.... ali onde poderia estar

A felicidade que sempre esteve.... a um passo de onde posso pisar

Sempre me falta algo, que parece ser mais que tudo

A única meta, o único alvo... é dar sentido ao absurdo


“Quem és afinal? Pedaço de matéria insaciável.

Qual é este mal? Que a ti parece incurável.

Quem te fez brotar? Pedaço de carne, assim, do nada.

Qual é este lugar? Qual o começo, onde acaba?”


“Da poeira se fez vontade

Da busca se fez dor

A cura de ser metade

É completar-se de torpor?”


A este mistério chamo EU

É assim, sentir o sem sentido

Se o não-nascido não morreu

Não sabe o que é ter vivido


Um eterno recomeço

Do naco de pão ao suspiro de prazer

É este o preço?

Do jogo estranho de viver.


“A ilusão do eterno não te conforta?

A boca do mistério não te traz esperança?

Pequeno cisco de desejo que comporta

Curto presente, distante futuro, fugaz lembrança”


Percebo que não percebe...

ilusório é tudo, eterno e passageiro

queda que não acaba, sem haver despenhadeiro

Muro que não se ergue


“De onde veio? Pra onde vais?

Pequena criatura, entre o sempre e o jamais

Como te chamam os teus iguais?”


Não há iguais, só há estranhos

De tantos desejos e tantos nomes

De diferentes formas e tamanhos

Dizem que ser isso é ser Homem


Pedaço de pergunta sem resposta

Carne dolorida e passageira

O chão que é o útero em que repousa

Amanhã te tomará como poeira

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

OUTSIDER

Chovia um pouco, e eu estava nesta floresta de pinheiros com este meu amigo. Eu adoro o cheiro de pinheiro quando chove, adoro mesmo, não é conversa fiada, do tipo desse pessoal que diz que adora o diabo a quatro, só que no fundo nem gosta de verdade. E eu estava usando este meu chapéu de caça, a verdade é que ele é revestido com um tipo de pele que faz a minha cabeça suar e coça pra caramba, mas eu gostava de usar ele, acho que é o chapéu mais legal que eu já tive. E também, neste dia, eu e este meu amigo tínhamos ido caçar. O meu amigo era bom mesmo no troço, nunca vi o safado errar um tiro. Eu sempre tive pena de atirar nos animais e tudo, e ficava meio apavorado quando ouvia o estampido do tiro. Tanto é que neste dia eu nem estava levando espingarda porcaria nenhuma. Estava indo junto só pra poder conversar e acender uma porcaria de cigarro no meio dos pinheiros. Deus, como eu gostava daqueles pinheiros! De verdade mesmo.

- Você ainda está saindo com aquela garota? – ele me perguntou.

Eu estranhei, porque ele nunca puxava conversa, nunca. Era praticamente uma odisséia arrancar meia dúzia de palavras do sujeito.

- Qual?

- Você sabe qual. Aquela que faz a porcaria de curso de alemão com você.

- É italiano, eu faço curso de italiano. Porque a minha família é descendente e tudo.

- Que seja... alemão e italiano é tudo a mesma droga.

- Você manja mesmo dessas coisas de língua. Dá pra sacar logo quando um cara manja dessas coisas.

Falei pra encher o saco. Sei lá por que cargas d’água, sempre dou um jeito de encher as pessoas que eu gosto.

- A gente tem saído junto sim.

- Ela é uma garota legal; não faça merda com ela.

- Eu sei, por que você está me falando isso? Nunca fiz merda com garota nenhuma...

- Você tem que tomar conta dela, sabe como? Você é o tipo de pessoa que precisa cuidar de alguém; eu sinto isso em você. Vê se não vira um tipo assim como eu... não sei por que você tem insistido em andar comigo.

Ele não olhava pra mim enquanto falava. Estava com a espingarda às costas e usava um chapéu parecido com o meu. O chão estava todo molhado, e os galhos de pinheiro soltavam um cheiro ainda mais forte enquanto a gente pisava sobre eles.

- Qual é? No fundo, mas bem no fundo mesmo, até que você é legal. Suportável, talvez.... – falei rindo.

- Eu gosto de comer sozinho. Você sabe quando uma porcaria de sujeito é infeliz quando ele gosta de comer sozinho.

Juro que me deu uma pena desgraçada dele quando ele disse isso. Não sabia que porcaria falar.

- Sabe a garota do italiano, ela é legal pacas mesmo. Nem sei direito o que nela é tão legal assim, sei que nunca conheci ninguém igual a ela. Aí semana passada eu falei pra ela aquele lance igual ao Caulfield. Falei que a gente tinha que cair fora, que podia morar numa porcaria de cabana ou algo assim, e eu trabalharia de frentista em algum posto qualquer e essas coisas, e que a gente ia acabar sendo muito mais feliz que esse bando de otário que estuda com a gente.

- Cala boca... não vai fazer merda. As coisas não funcionam assim. Vocês dois são acostumados com a vida boa. Comida na mesa quando chegam da aula, banho quente e assistir a TV a tarde toda. Não iam agüentar uma semana numa droga de cabana.

- Você acha que eu preciso dessa porcaria toda? Não preciso não, meu amigo. Está aí uma coisa que eu não preciso...

- Tudo bem, você está certo. Não sei como pude me enganar. Você exala a uma vida dura, é só olhar essas suas mãos calejadas – disse ele me ironizando.

O safado também sabia ser irônico.

- Por que você gosta tanto de caçar? – perguntei.

- Pela droga do silêncio – ele respondeu tentando cortar o assunto.

- Qual é?! Você leva as coisas a sério demais. Fala aí, por que um cara péssimo de pontaria e tudo insiste em sair caçar por aí...

Falei só pra encher mesmo, o safado nunca errava um tiro.

- Sei lá... que porcaria de pergunta! Talvez seja por aquele momento antes do tiro. Quando você já viu o animal e ele ainda não te viu. Você já sabe que a coisa toda vai acontecer, que você vai atirar e ele vai morrer. E você não sabe por que ele apareceu naquela hora, e por que você estava ali também. E tudo parece tão sem sentido e você se sente estranho.

- E por que você gosta disso?

- Não sei...

A gente continuou andando. Estava chovendo e, às vezes, caiam uns pingos de chuva maiores em mim, dos galhos das árvores. Não sei direito por que, mas eu estava me sentindo tão bem de estar ali com o meu amigo e com o cheiro de pinheiro. Sei que já falei isso, mas eu sou simplesmente doido por cheiro de pinheiro.

Aí a gente foi embora. E eu dormi, talvez um ano ou dez, ou dez mil. E você não vai acreditar, mas, quando eu acordei, eu estava nesta floresta de pinheiros, com este meu amigo. E eu usava um chapéu de caça, que esquenta um pouco e faz a minha cabeça coçar, mas eu sou doido por ele. Nossa, às vezes, as coisas parecem tão estranhas...