tag:blogger.com,1999:blog-67078056550909996152024-03-05T04:13:10.380-08:00Grunge, o PeixeAnderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.comBlogger78125tag:blogger.com,1999:blog-6707805655090999615.post-38130059824286780462015-10-20T16:08:00.002-07:002015-10-20T17:15:38.008-07:00O INCRÍVEL ESCRITOR SOLDADO<div class="MsoNormal" style="margin: 5pt 0cm; text-align: justify;">
Havia já algum tempo que
ele tinha chegado a esta conclusão: se quisesse produzir algo realmente
interessante e único, era preciso ter vivido algo realmente interessante e
único. Tinha uma chance real diante de si e teve a sensação de que tudo se
encaixava perfeitamente demais para ser apenas coincidência. Um outdoor das
forças armadas convocando os “corajosos para defender os oprimidos” e pregando
o uso da “força em prol da justiça”. Achou o anúncio apelativo e cheio de
clichês, mas sabia que os clichês só eram repetidos porque funcionavam e teve
de admitir que a coisa havia mexido com ele. Ainda mais levando em conta o
sonho que tivera recentemente. O outdoor pregava o alistamento espontâneo para
auxiliar a população de um pequeno país do outro lado do oceano que vivia uma
espécie de holocausto desde que o ditador que assumira o poder havia ordenado
o extermínio de todos os descendentes de uma tribo rival a sua. O sonho era
sobre ele correndo com um fuzil em mãos no meio de uma batalha, procurava
qualquer coisa para servir de proteção. Os seus estavam deitados na relva e só
ele corria (porque precisava correr). O campo estava aberto demais e, quando
teve a sensação de que iria dar merda, sentiu um tiro atravessando o seu braço
direito. Acordou em sua cama com este formigando embaixo de seu corpo. <br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 5pt 0cm; text-align: justify;">
Alistou-se ainda naquele
dia. O excesso de reflexão só promovia dúvidas e era favorável à comodidade.
Havia servido ao exército por dois anos apenas para ter certeza absoluta de que
não gostava daquilo. Era totalmente contra guerras e, além do que lera na
internet e vira pela TV, não conhecia nada daquele povo que agora perecia em
uma. O motivo de seu alistamento era puramente artístico. Queria ser escritor e
concluíra que para “quebrar a dormência” de sua criatividade precisava de uma
experiência intensa. Como Salinger ou Hemingway. Admirava especialmente o
último. Tinha certeza de que muito do que ele escrevera se devia àquilo que
havia vivido. Nunca quis se aprofundar demais em sua biografia para evitar
possíveis decepções, preferia ficar com a imagem que havia construído a seu
respeito baseado nos livros dele que havia lido. Claro que sabia da história do
rifle de caça. Apesar de ser contra o suicídio, julgava que, no caso em questão,
havia sido mais uma defesa da dignidade. Quando a vida, de modo desleal,
tentava tirá-lo do controle da situação, ele venceu a batalha. Este era o bom e
velho Hemingway. <br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 5pt 0cm; text-align: justify;">
O incrível escritor
soldado até já havia escrito algumas coisas... mas faltava-lhe intensidade e,
quando tentava empregá-la, soava artificial. Em casa, na hora do jantar,
comunicou o pai de sua decisão (viviam juntos só os dois desde que a mãe
perdera a dura luta contra a leucemia). Este parou o garfo a meio caminho entre
o prato e a boca e disse apenas, “muito bem, filho”. No íntimo, carregava uma
preocupação crescente desde que o filho passara a frequentar mostras artísticas
e feiras-de-não-sei-que-porra que, deus nos livre, sempre podem ser coisas de
bicha. Não havia antídoto melhor para isso do que uma guerra. <br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 5pt 0cm; text-align: justify;">
Naquela noite, na hora do
banho, o incrível escritor soldado examinou seu braço direito refletido no
espelho. Imaginou como ele ficaria com uma cicatriz. Seria perfeito. Isso
também impressionaria as garotas. Imaginou-se fumando sem camisa à janela
depois do sexo, a garota levanta e se chega junto dele. De repente, percebe a
cicatriz, toca cuidadosamente nela e pergunta, “como aconteceu?”; ele responde,
“se não se importa, preferia não falar sobre isso”; ela insiste, “foi na
guerra, não foi?”; ele a olha com um olhar de quem já viu o que de mais
terrível a vida tem para mostrar, traga o seu cigarro e volta-se para a janela,
como se em algum lugar lá fora, os demônios de seu passado ainda estivessem à
solta, perseguindo-o. <br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 5pt 0cm; text-align: justify;">
Definitivamente, precisava
de uma cicatriz. Se não a conseguisse na guerra, providenciaria uma. Poderia esquentar
uma faca, uma chave de fenda ou quem sabe uma chave de roda... quando chegasse
a hora, pensaria em alguma coisa. Devia doer pra caralho, de qualquer forma,
valeria a pena. E poderia comprar aquelas pomadas ou sprays anestésicos que os
tatuadores usam... Será que o Hemingway tinha alguma cicatriz? Sem dúvida devia
ter, o cara era tipo um Clint Eastwood da literatura. Filha da mãe, além de ser
um escritor reconhecido no mundo todo, ainda devia fazer um sucesso desgraçado
com a mulherada. <br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 5pt 0cm; text-align: justify;">
Era a hora de se
concentrar em sua própria história. Imaginou o dia em que o ditador se renderia,
ou seria preso, morto ou coisa que o valha, e ele, o incrível escritor soldado,
entraria na praça central sobre um tanque, ao lado de seus companheiros,
enquanto a multidão os aclamava. Verdadeiros heróis. Não teriam sobrado muitos
de seu batalhão, talvez ele e mais uma meia dúzia. Sim, a guerra era cruel. </div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 5pt 0cm; text-align: justify;">
Seis meses depois, a
realidade tomava o lugar da fantasia e ele desembarcava, ao lado de mais 150
soldados, num local de mata fechada. Ainda quando estavam no rio, já era
possível ouvir o som das explosões e das balas zunindo. Depois de pouco mais de
meia hora de caminhada, entravam na zona de conflito. O incrível escritor soldado
levanta o mosquetão e corre em direção ao front. Queria dar uma página de
abertura impactante ao diário que carregava dentro da farda. </div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 5pt 0cm; text-align: justify;">
Um choque o atira para
trás e tem a sensação de ter sido partido ao meio. Leva a mão à barriga e sente
o contato morno que temia. Foi considerado a primeira baixa oficial de seu
batalhão. O médico que atestou sua morte diria ao capitão que a bala penetrou o
fígado, causou um efeito inicial de vácuo que culminou com uma explosão do
órgão no momento da saída. Quanto ao incrível escritor soldado, os últimos
pensamentos que passaram por sua consciência foram, “Porra! No sonho, era no
braço... que isso? Que fedor! Puta que pariu, não acredito que me caguei!”</div>
Anderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6707805655090999615.post-4490863005030930292014-05-22T17:51:00.000-07:002014-05-22T17:54:26.085-07:00BILE AMARELA (Xanthé Cholé)<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Me aproximo do
espelho e olho no fundo dos meus olhos, através da pupila<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Enxergo um touro
negro com sede de revanche adubada por ódio, humilhação contida<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Preso a um barbante
amarrado a um graveto... o que o prende realmente?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Talvez
um chicote distante, brandido há muito tempo, agora ausente<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O touro inerte é açoitado
por palavras, risos de escárnio e repugnância<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A força dele cresce
alimentada por mágoas e restos de uma dor em silêncio<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Sinto o galopar, o
som apressado de suas patas, do meu coração rumo à garganta<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Enfim, o desastre
anunciado liberta a fera e apaga a consciência num só momento<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tomo em mãos seu
chifre e com prazer rasgo ventres, vísceras e gargantas<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Pelo caminho,
trituro, engulo, vomito e engasgo, entre clamores, súplicas e barganhas<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">É tarde para pedidos,
é tarde para os perdidos... não se trata de justiça, apenas destruição<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mais um golpe para os
feridos, sem clemência para os rendidos, mais sangue para o chão<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Sinto a energia do
sonho partido, do átomo partido, brotando da fissura e da fissão <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Hoje sou o anjo mais
nocivo, mais radioativo e não há fuga... ou solução <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Hoje sou Shiva, Ares,
Urano ou urânio em reação <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Contamino a água e deformo
crânios até a próxima geração; <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A lógica não poderia
ser mais óbvia, a energia é proporcional à repressão<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Não há mais saída de
emergência ou válvula de escape, só resta explosão <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Como o canibalismo da
alcatéia pinta a neve de vermelho,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">ou como a rainha da
colméia pede a morte do parceiro<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Como um exército de
berserkers espalha caos e pesadelo<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Trago em uma mão o
fim da esperança e na outra o início do desespero</span><span style="font-family: Times New Roman, serif;"><o:p></o:p></span></div>
Anderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6707805655090999615.post-11155120616907806062014-05-13T17:00:00.000-07:002014-05-13T17:00:27.055-07:00FLEUMA (Plégma)<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tanto fez como tanto faz, de trás para frente ou de frente
para trás</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Todo círculo começa no ponto em que acaba, e todos eles são
iguais</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nenhuma surpresa é inesperada, se a espera já dura demais</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O valor só existe na importância dada, e nada disso importa
mais</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Generais generalizam seus soldados genéricos</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Soldados soldam solados de coturnos seriados</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A norma normatiza a doença e o remédio</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O ciclo repassa o passado no futuro e o futuro no passado</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O meio, o morno, o médio</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O mesmo contorno do tédio</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Seu sonho único já sonhado por tantos</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Causa muito embaraço e pouco espanto</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Me deixa amortecer,</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Deixa o amor tecer e depois enroscar um fio solto numa
aresta do dia a dia</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Deixa anoitecer, </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Deixa a noite ser a agulha que se presta à anestesia</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Prometo ficar abaixado na trincheira, prometo continuar
fechado no casulo</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Prometo dormir a vida inteira, se me deixar voltar para o
útero</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas se o aviso diz: cubra</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Se descubra e não desvie os olhos por quanto tempo conseguir</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">E se o aviso te dispensa</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Você pensa que devia ter pensado que podiam te substituir</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Incontáveis engrenagens idênticas põem para funcionar a
máquina da rotina</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Intermináveis passagens concêntricas de um mesmo dia que
nunca termina</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O velho carimbo desbotado preenche com o mesmo desenho
tantas folhas em branco</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Enquanto rosas de arame farpado cobrem muros, desejos,
escolhas e campos</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nada se cria, nada se perde, tudo se repete</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nenhuma surpresa é inesperada, se a espera já dura demais</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Da poeira à poesia, o fim da estrofe se reflete:</span></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O valor só existe na importância dada, e nada disso importa
mais</span></div>
Anderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6707805655090999615.post-53121824550712159562014-05-06T07:55:00.000-07:002014-05-06T18:31:47.194-07:00SANGUE (Haima)<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Verão, outono, inverno, primavera... são tantas estações em
que não passa nenhum trem</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A locomotiva apita, compassa, com pressa... acerta o
compasso do coração de alguém</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Que chora, que grita, que sorri e que espera...uma vaga no
vagão de si mesmo</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas quando a roda perdida enfim se recupera, entra nos eixos
e volta pros trilhos </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O maquinista muda de estação... pra uma freqüência secreta
que não se ouve com os ouvidos</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Queima o carvão... como brasa branda que se aviva pela brisa</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Aquece o coração... como o andar de quem anda passeando pela
vida</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Acende a chama e me chama pra sentar perto da fogueira</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Com voz mansa de quem ama ver o fogo queimar a noite inteira</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas se for para queimar pela metade, queima a meia-noite,
queima o meio-dia... </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">queima devagar esta noite, para eu aproveitar bem a estadia;</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">E depois que fogos amarelo-avermelhados transformarem galhos
marrom-enluarados em cinzas;</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Pintarei ruas e telhados como pintor despreocupado, sem ter
tido sentido e sem tintas. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Com talhos e retalhos, com calos que não calam a inspiração
verdadeira</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Entalho o trabalho que me impele, em pele, em pano e em
madeira.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Como artesão desnaturado, sem dinheiro e sem salário, pelo
prazer da brincadeira.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Admito ter perdido a bússola, o sono, a inocência e o juízo</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas perdi por distraído e voltaram para o dono nos achados e
perdidos</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tenho me encontrado mais perdido do que achado</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas acho que agora estou quase me encontrando</span></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Acho que meu lugar é ao lado... de quem esteve me
procurando.</span></div>
Anderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6707805655090999615.post-50008552553235206622014-05-02T08:07:00.005-07:002014-05-06T07:47:35.237-07:00BILE NEGRA (Mélaina Cholé)<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tenho acordado assustado, como quem sente que está atrasado
para algo da maior importância, mas não lembra o quê. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tenho procurado desculpas e argumentos, para as minhas
faltas e para as dos outros, feito vista grossa aos pequenos pecados que
machucam...</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tenho recorrido a vícios antigos, vestidos com roupas novas
e bem passadas, procurado uma forma elegante de destruição. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tenho invadido templos vazios em busca de ídolos que já se
foram.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tenho jogado conversa fora porque não vale a pena guardar...</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tenho coberto e lacrado espelhos, que insistem em me mostrar
o cinismo que repudio... para que possa continuar, cinicamente, a repudiá-lo.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tenho visto meus versos e idéias como plágios, expressos (de
maneira melhor!) por tantos outros que vieram antes... tenho me entediado pela
espera do novo e só o encontro quando já envelheceu.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tenho andado me esgueirando por vielas escuras como quem se
assume indigno por essência, baixado a cabeça para que nenhum olhar cruze com o
meu e me descubra... e me revele ao mundo como o embuste que venho guardando em
segredo de mim mesmo. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Pois há muito que venho escrevendo obras, dignas de um
gênio, em línguas que não existem; pintado telas (não menos geniais!) com água
e óleo incolor; escrito poesias que são metralhadoras de catarse, mas que nunca
recordo de cor.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tenho perdido o sono por conta de uma culpa que não conheço.
</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tenho me assustado com estalos dos assoalhos de madeira,
como quem faz o errado, ciente de que o está fazendo.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tenho odiado o que está por perto e amado o que está
longe... e depois, tenho chorado de saudades e sangrado teatralmente quando
aquele que, outrora a meu lado, se afasta.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tenho feito falsas e interesseiras penitências em público,
apenas para poder me culpar ainda mais...</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tenho gasto meus últimos anos a lamentar pelo tempo
perdido... me queixado da miopia do mundo enquanto tropeço em minha própria
bagunça. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tenho ensaiado e atuado, apaixonadamente, para uma platéia
bocejante que perde a hora do aplauso.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tenho andado pelas ruas do lugar em que nasci como um
forasteiro, visto o antigo com estranheza e receio.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tenho aguardado a hora de ser pego em flagrante, cometendo
(sem saber) o maior dos delitos (que ainda não imagino qual). </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tenho pago diariamente parcelas de uma dívida que só faz crescer
e que me cobra mais do que sou. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tenho olhado para as estrelas com ares de saudades e iludido os ignorantes com pretensão messiânica. </span></div>
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tenho procurado o fracasso com um misto de pesar e alegria,
como o viciado se destrói na repetição. </span></div>
Anderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6707805655090999615.post-9501443360431253002014-04-16T11:43:00.000-07:002014-05-07T12:43:52.763-07:00Um banho quente e meias secas para um dia solitário.<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Fui entrando na praça já com a sensação de que as balanças ainda estariam molhadas. Isso afetou um pouco meu estado de espírito que, confesso, já não estava dos melhores. Segui parte do caminho pela grama, apesar de ela estar um tanto encharcada e molhar os meus pés. Quando me sentei no balanço, estava me sentindo meio idiota por ter escolhido aquele caminho e agora estar com as meias molhadas e os dedos começando a gelar. Este meu amigo já estava lá, sentei-me ao seu lado. Ele se embalava de um modo curto e lento, como costumava fazer.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Eu olho pra estes cães girando atrás do próprio rabo – havia um cão fazendo isso na praça – e imagino que as pulgas não devem ter noção deste movimento. Exatamente como a gente não percebe o movimento da Terra.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- E? – perguntei tentando passar indiferença.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Nada... simplesmente penso. Tem horas que é bom não perceber o movimento. Eu penso que se, de repente, a Terra simplesmente parasse de girar, assim, do nada, muitas pessoas morreriam instantaneamente atiradas contra algo que estivesse por perto. Só que algumas delas sairiam voando por aí numa velocidade absurda, esperando o impacto.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- E não é isso que a gente faz o tempo todo? Espera o impacto...</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ele estava mais embalado agora, então, arrastou os pés no chão e parou a balança. Virou-se para mim e cravou os olhos no lado esquerdo do meu rosto:</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Que história é essa? Vai dizer que você começou com aquela merda de escalada de novo? Olha só, campeão, a vida pode te surpreender, as coisas podem mudar. Mas a premissa básica para isso é que você esteja vivo.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Blá... blá... é pra este tipo de merda que eu venho aqui? Faz uns 22 mil anos que não mando mais essas piras de escalada – menti. </span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Tirei um isqueiro do bolso e tentei abrir o maço de cigarros com naturalidade. Acabei tendo problemas com a fita de abertura, o que denunciou a minha já óbvia falta de experiência.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Fumando? Quem diria... a coisa deve estar feia mesmo.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Só curtição – respondi.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Pessoas como você não fumariam por curtição.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Como assim “pessoas como eu”? Por favor, não me rotule, isso soa patético...</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ele riu:</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Hoje é o dia! O rapazinho está num dia daqueles! Como andam as coisas, chefe? Garota errada?</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Tinha acabado de acender o cigarro e já me sentia um pouco mais senhor da situação. Devia ser o terceiro cigarro que fumava, ou tentava fumar, em toda minha vida. Ao menos, não tossi.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Existe garota certa? Pra mim, não sei...</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>-Vamos lá, quem é a senhorita? – insistiu, com um interesse verdadeiro.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ignorei e fiz de conta que analisava com preocupação uma parte da corrente que prendia o balanço e parecia comida pela ferrugem. Nessas alturas, a balança já tinha molhado minha bunda, meus dedos dos pés estavam meio amortecidos pelo frio e eu deixava aquele cigarro queimar, torcendo pra que acabasse logo. Estava meio arrependido de ter ido na tal praça, apesar de que a presença desse meu amigo sempre me trazia algum conforto.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Sai fora... – falei com desdém.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Forcei uma tragada e senti um desespero para falar logo, antes que ele mudasse de assunto.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- É uma menina do terceiro ano. Parece que ela gosta de um cara mais velho, um babaca completo. Você já reparou como as garotas sempre gostam do tipo errado? Que merda é essa que acontece?</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- O que aconteceu com o mantra que eu havia te ensinado? “Mais velhas, não... mais velhas, não”, você deveria repetir isso em casa, queimando alguns incensos e sentado em posição de lótus. Cara, na sua idade, mais velhas simplesmente não funcionam. Quem sabe, um dia, mas, definitivamente, não agora.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- O que você sabe sobre isso? Você nem é real – rebati com a voz meio falha pela fumaça.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ele riu.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Oooww! Pegou pesado, hein! Eu adoro você, sabia, principalmente, quando está emputecido desse jeito.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Talvez eu seja do “tipo errado” também.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Eu não apostaria, os caras do tipo errado jamais teriam este tipo de conflito.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Bem, que se foda. Eu nem gosto tanto dela assim mesmo... A gente nunca trocou uma palavra sequer. Só achei bonito o jeito como ela tirava o esmalte das unhas um dia num banco do refeitório, completamente compenetrada na tarefa, como se aquilo tivesse um valor absurdo. E eu nunca fui de reparar nas unhas das mulheres, mas parece que o valor que ela dava pra coisa, de certa forma, me fascinou também. E agora a primeira coisa que olho é pras mãos delas.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- É, o mistério que nos fascina. Tem tocado?</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Quase nada – respondi com preguiça, este assunto me frustrava –, perda de tempo... meu pai acha que vou me tornar um fracassado completo se continuar insistindo nisso.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Ele te disse isso?</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Não, nem precisa, pelo jeito como ele me olha, dá pra sacar.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Você adivinha olhares agora? Pergunta pra ele, único jeito de saber.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Eu ri e balancei a cabeça.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- O que foi? – perguntou com ar de espanto.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ignorei ele, dei mais uma tragada e mantive o riso nos lábios. Me sentia melhor e até o cigarro não parecia tão ruim.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Qual foi a piada? Compartilha, também quero rir... – o sujeito exalava curiosidade.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Você e essas suas porcarias de conselhos... Lembra aquela vez que você me disse que eu deveria falar pro professor de química que os pêlos da orelha dele geravam desconforto nas pessoas e que os outros zoavam ele por causa disso.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O desgraçado começou a rachar de rir ao meu lado. Não agüentei e ri também:</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Foda-se você e os seus conselhos – falei.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- A história não é bem assim, eu disse que seria honesto de sua parte falar pra ele. Não tenho culpa se ele não estava preparado pra ouvir a verdade.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ficamos um tempo quietos, eu com os olhos voltados para o chão olhando algumas formigas que carregavam folhas num complexo sistema de trânsito e sempre paravam antes de se chocarem quando uma estava indo de encontro a outra, como costumam fazer. Enquanto isso, esperava o resto do cigarro queimar sozinho, estava um pouco tonto, mesmo assim não queria jogá-lo fora pela metade porque tinha certeza que o meu amigo iria notar, provavelmente não diria nada, mas com certeza iria notar. Ele olhava para frente com os olhos um pouco inclinados para o alto, em direção a dois pombos parados sobre os fios de alta tensão estendidos de um poste a outro.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Pousados despreocupadamente sobre trocentos mil volts e nada acontece com eles... como se estivessem sobre um inofensivo varal. Pra que haja corrente, é preciso haver diferença de potencial elétrico, o que só aconteceria se eles tocassem um outro objeto que não o próprio fio. Nós poderíamos andar dependurado num fio desses e não aconteceria porra nenhuma. Agora, bastaria uma leve esbarrada no poste ou num galho de árvore...</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Não sabia dessa, anda estudando física agora?</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Pássaros... – murmurou.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Eu até gosto de exatas, de verdade mesmo. O problema são os professores dessas disciplinas... um bando de nerd enrustido que sempre foram massacrados na escola, depois, querem compensar, bancando os fodões pra cima dos alunos. Eles realmente sentem prazer quando você não entende algo e eles podem mostrar o quanto são superiores. E a sensação que eu tenho é que, às vezes, eles têm medo de que possam ser superados. E nas provas, sempre colocam alguma questão que envolve algum tipo de macete idiota, ou alguma variação de uma fórmula que você precisa deduzir, só pra depois te dizerem “muito bem, campeão, você está quase lá, só faltou este truquezinho aqui”. Fodam-se eles.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Quanta amargura! – ele disse sorrindo. – Parece que você não escolheu o caminho mais seco até aqui – comentou olhando para os meus pés. – Queria saber quem vai ter que desencardir estes cadarços...</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Sei lá, a máquina de lavar ou coisa que o valha...</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Vê-se logo que você é um perito em questões domésticas. Cadarços não são o tipo de coisa que você simplesmente enfia numa porcaria de uma máquina e deixa que ela faça o trabalho por você, enquanto desfruta de um chocolate quente.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Não sou muito fã de chocolate quente. Prefiro café com leite.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- E o tênis? Vai colocar na máquina também – ele estava esbanjando ironia.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Engraçado você perguntar isso, eu estava pensando seriamente em pedir pra sua mãe lavá-los pra mim. Nossa, curioso mesmo! Justamente quando eu estava pensando, acho que a mãezinha do meu amigo safado adoraria esfregar estes tênis.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Hoje você está pegando pesado mesmo...</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Qual é? Você nem é real... vai dizer que você tem uma mãe imaginária também?</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Cala a boca – falou sem se abalar.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O cachorro que estava girando atrás do rabo quando eu cheguei à praça se aproximou da gente, com aquela euforia típica dos cães que sempre me causam um certo espanto simplesmente por constatar que existe uma criatura no mundo que tem tanta energia e empolgação.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- E aí, campeão, o que você conta, meu herói? – ele falou com o cachorro com uma euforia equivalente. – O que você tem aí, hein? Um osso, seu malandro? Eu apostaria que você tinha qualquer coisa, menos um osso... vejam só, o danado tem um osso.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O cão começou a latir sem parar, como se estivesse desfrutando daquela interação excêntrica.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- O quê? Eu não acredito, te deram um osso sintético?! – dava pra sentir uma indignação sincera na voz dele. – Porra, que tipo de dono sacana que você tem? Mas não esquenta, amanhã eu trago um osso pra você, completamente orgânico, o osso mais orgânico que você já roeu em toda sua vida canina..</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Meu Deus, será que você pode calar a boca?</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Este sujeito aqui? – continuou ele na conversa com o cão – Este é um velho camarada meu...</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O cachorro continuou latindo.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Não, amigão, não precisa pegar tão pesado com ele assim... Ele só está um pouco chateado, mas é boa pessoa... você tem alguma mensagem pra passar pra ele?</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Foi então que ele começou a traduzir os latidos do cachorro:</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“Olá, príncipe dos balanços! Envio-lhe saudações da espécie cannis lupus famliaris...”</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Fiz menção de levantar do balanço:</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Pra mim, já deu. Não vou ficar aqui ouvindo esta merda...</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O cachorro veio em minha direção e tive a impressão de que rosnou pra mim. Nunca tive essa afinidade toda com cães e, por via das dúvidas, achei melhor ficar na minha até que aquela pataquada toda acabasse. Ele continuou com a tal tradução:</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span> “Senta-te, pequeno príncipe Homo Sapiens Sapiens, e escuta a mensagem: Não aflijas teu nobre, jovial, polivalente...”</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Puta que pariu – balbuciei.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>“... cosmopolita e contra-dogmático coração... e saiba que a vida é como um osso...”</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Ai, não...</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- ... muito prazerosa, mas também pode ser dura de roer”.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Olhei-o atônito, enquanto ele se esbaldava num pequeno acesso de riso. Não resisti e acabei rindo um pouco também.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Não acredito que você realmente mandou este trocadilho horrível.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Não fui eu, foi o nosso amigo aqui. Não é que o safado é espirituoso. Não é, campeão? – desceu do balanço e começou a afagar o cachorro que agora estava em êxtase.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Um assobio ao longe e nosso inesperado companheiro deixou a cena.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Eu preciso ir pra casa – falei. – Prova de matemática amanhã. Duvido que consiga estudar, mas...</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Ei, o que está acontecendo afinal?</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Suspirei. Não estava só fazendo cena, realmente não sabia se queria falar, na verdade, nem sabia direito o que falar:</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Sei lá... tenho andado meio triste, eu acho. Uma tristeza morna, quase confortável, que parece grudada em mim, como um carrapato que vem aumentando aos poucos a cada dia que passa. E... tenho me sentido sozinho também, finjo que prefiro assim, mas, no fundo, não prefiro não...</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Hum, você deveria tentar fazer alguns amigos, amigos assim como você, não como eu.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Eu tentei, mas eles não querem.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Como você sabe, pelo olhar deles? Eu já te falei você...</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Eu perguntei, droga, não diretamente, tipo “oi, vamos ser amigos?”. Simplesmente me ignoraram – senti uma certa autopiedade em minha voz que me irritou.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Você deve ter tentado com as pessoas erradas.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Silêncio por alguns momentos, pensei em acender outro cigarro. Acabei só olhando pra chama do isqueiro acesa. Ele disse:</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Olha só, eu não quero te dar nenhuma lição de moral, nem bancar o conselheiro e nem nada do gênero, mas acho que o grande problema é este seu narcisismo, egocentrismo ou algo que o valha.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Me poupe...</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- É sério, você acha que está sempre no centro das atenções, que as pessoas estão reparando em tudo que você faz, prontas pra te criticar, pra te julgar por qualquer deslize, como se todos os olhos estivessem voltados pra você. E elas estão cagando pra qualquer coisa que não seja o próprio umbigo, chefe, isso eu te digo! Relaxa... sempre tem algum escroto pra te apontar o dedo se as coisas não saírem certo, mas 5 minutos depois ele nem vai lembrar que você existe. E, sabe do que mais, fodam-se essas pessoas que ficam procurando os teus erros. Você não pode viver tua vida inteira como se fosse a porcaria de um chefe de estado no meio de uma conferência diplomática, medindo palavras e gestos como se qualquer ato em falso fosse desencadear a 3ª Guerra Mundial, ou algo do tipo. Você precisa fazer um pouco mais aquilo que você tem vontade. Descobrir o que você quer e simplesmente fazer, ao menos de vez em quando. Se não, campeão, a carga fica pesada demais... e até pode parecer bonito ser o sujeito que carrega a carga pesada e tal, mas, se você não ficar atento, uma hora ou outra essa coisa te esmaga sem você nem se dar conta. Como a tal história do carrapato...</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Eu realmente não sei de onde você tira essas merdas.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Tudo bem, ninguém gosta quando a coisa toda é jogada assim... Só pense a respeito, não hoje e, quem sabe, nem amanhã... mas quando isso que eu te falei voltar à sua cabeça, procure simplesmente não ignorar.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Bem, tanto faz, eu tenho que ir... Eu só preciso de meias secas, um banho quente, talvez uma xícara de café e as coisas vão ficar bem. As coisas vão ficar bem... Te vejo amanhã.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Eu não vou estar aqui amanhã.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Você sempre diz isso – rebati.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Me segurei na corrente da balança para dar um impulso para levanatar e percebi que a minha perna esquerda estava amortecida, quase caí sentado.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Droga – disse batendo na perna pra tentar fazer o sangue circular.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Meus pés estavam congelando e eu não sentia direito meus dedos. Seria realmente agradável colocar um outro par de meias e enfiá-los debaixo das cobertas. Percebi que não havia a menor chance de eu estudar para a prova. Definitivamente, não. Fui me afastando dos balanços ainda mancando um pouco, gosto de respirar este ar úmido e frio, logo depois de uma chuva no inverno. Parece mais limpo.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Ei, campeão!</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Me virei. Ele continuava sentado no balanço.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Eu estive pensando – ele continuou –, não sei se isso já te ocorreu... mas, e se for você quem não é real?</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Aquilo me acertou como um tiro. A minha loucura devia estar piorando.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- E se... – falei enquanto tirava o maço de cigarros do bolso – e se nenhum de nós dois formos reais.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- O que aconteceria? Simplesmente desapareceríamos, de uma hora pra outra?</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- No final das contas, não é o que acontece? Não seria tão ruim, não é verdade? – acendi o cigarro e a tragada pareceu esquentar meu pulmão, isso fez com que me sentisse real novamente.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ele sorriu e só então me dei conta de que ele era um tipo que sorria bastante.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>- Você não tem jeito mesmo - falou balançando a cabeça.</span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Voltei pra casa caminhando como quem dá uma volta para matar o tempo. Joguei fora meu cigarro ainda pela metade. Caminhei mais um pouco e, como que por intuição, olhei pra cima. Havia um pombo pousado, sozinho, sobre um fio de alta tensão. </span></div>
Anderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6707805655090999615.post-89677765247658707342014-03-19T06:23:00.003-07:002014-05-07T12:44:26.353-07:00INVENÇÃO<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Toda porta fechada tem um buraco de
fechadura (espia o espião)</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">E nenhuma fechadura dura fechada
para sempre</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Se a dura verdade perdura, fecho os
olhos e vejo diferente</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Há olhos de verdura, olhos de ver
bichos e olhos divergentes</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Para o amargo, rapadura; para o
amor, um cochicho; para mosquito, repelente. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Antes cedo do que tarde, antes à
tarde do que nunca</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Antes um segredo que arde, guardado
na penumbra</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Finjo que sinto até sentir o
sentido do sentimento</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">E depois de sentir, eu sinto muito...
pela topada no calçamento.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Faço uma paralisação pelo
movimento...</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Movimento anti-horário, movimento
anti-relógio, movimento anti-pressa</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Movimento anti-remo, movimento
anti-rima</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Contracorrente, contra cadeado,
desencadeando correnteza acima. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Quando crescer, além de alto, vou
ser detetive</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">De lupa na mão, cachimbo na boca e
olhar pensativo</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Procurando pistas e pegadas de
mistérios intrigantes</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">De um beijo roubado, coração
seqüestrado, Cupido assaltante</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Quando envelhecer, além de alto e velho,
serei cientista maluco</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">De cabelo armado, jaleco amarrotado
e óculos redondos</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Com tubo de ensaio, ensaiando a
descoberta de um descobrimento caduco</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A novidade, a relativa idade, a
grave idade, de um tempo sem desconto</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Idade vem, idade vai, vai..
idade... vai para longe!</span></div>
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O tempo passa, arando a terra,
semeando sal, brota saudade.</span></div>
Anderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-6707805655090999615.post-56641917666921858272014-03-10T06:10:00.001-07:002014-05-07T12:44:57.777-07:00TOBOGÃ<div align="JUSTIFY" class="western" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Deslize... aceite que você está
viajando o tempo todo neste grande tobogã e que ninguém,
absolutamente ninguém, pode te dizer como esta viagem acaba. Algumas
vezes, isso pode te apavorar, e outras, te trazer conforto. É assim
mesmo que funciona esta descida e, provavelmente, você já sabe
disso. Não há fórmulas exatas, o que funciona num momento pode não
funcionar em outro, ou ainda, tem um efeito totalmente oposto em
ocasiões diferentes. A minha opinião é que, se você acha que algo
pode te ajudar em sua descida, você deve experimentar, desde que não
prejudique a descida de mais ninguém. As viagens seriam muito mais
fáceis se as pessoas respeitassem os tobogãs de seus vizinhos, mas
eu não estou aqui para julgamentos, mesmo porque não tenho este
direito, além disso, esta viagem pode ser muito dura em alguns
momentos, e todos nós estamos sujeitos a cometer erros
inacreditáveis.
</span></div>
<div align="JUSTIFY" class="western" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div align="JUSTIFY" class="western" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> Existem várias formas de tentar
descer bem. Algumas pessoas acreditam que alguns objetos podem ajudar
bastante e descem com uma grande bagagem a tiracolo (muitas delas se
desgastam bastante para consegui-los e se esquecem de apreciar a
vista). Alguns acham que para evitar o embrulho no estomago é melhor
descer sedado (pode funcionar por um tempo, de qualquer forma, uma
hora ou outra, o estomago vai, inevitavelmente, embrulhar). Alguns
descem com as mãos sangrando porque se agarram com força às
bordas, tentando evitar a descida (te digo, olhando para as
cicatrizes de minhas próprias mãos, não há como parar... sei que
um intervalo seria bom para tomar um fôlego).
</span></div>
<div align="JUSTIFY" class="western" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div align="JUSTIFY" class="western" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> As formas de tentar melhorar a
viagem são incontáveis, nenhuma delas infalível. Sempre haverá
solavancos, trepidações, guinadas bruscas, saltos e quedas, claro
que também haverá alguns momentos de um deslizar suave e agradável,
como se provássemos algo que parece estar fora do tobogã, mesmo que
nunca tenhamos saído dele... Pra mim (e só posso, obviamente, falar
por mim e sobre as coisas que aconteceram comigo, e só falo porque
falar me traz alívio e penso que talvez possa ajudar a alguém que
encara a viagem de forma parecida), estes momentos são como quando
alguém cantarola uma música baixinho para você (vejam só! Para
você, isso não é lindo?!) enquanto lava seus cabelos com águas
mornas e mãos de ternura. E você se torna uma criança amada que
pode amar outra vez e sente uma vontade incontrolável de sair por
aí, lavando os cabelos de todo mundo, carregando seus pequenos
frascos de xampu de camomila... erva-doce... alfazema... e calêndula.
Então, você descobre que não há fórmulas exatas e o que funciona
para você pode não funcionar para os outros.</span></div>
<div align="JUSTIFY" class="western" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div align="JUSTIFY" class="western" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> Procuro descer com meus olhos
bem abertos, por mais que não seja tão fácil, engolindo com eles
tudo o que há ao redor, deixando que a beleza e a dor os atravessem
e me matem (literalmente, não no sentido figurado) e me ressuscitem
a cada movimento respiratório. Inspiro... e provo o vazio da solidão
escura e indiferente de estar lacrado hermeticamente pelos contornos
de minha pele. Expiro... e sinto todos os deuses e deusas, santos e
santas que nunca existiram, que sempre existiram e jamais existirão
se tornarem reais. E são tão melhores do que eu... e isso me traz
uma paz tão profunda e verdadeira que sinto novamente aquelas mãos
de ternura em meus cabelos por toda a eternidade de um movimento
respiratório.
</span></div>
<div align="JUSTIFY" class="western" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div align="JUSTIFY" class="western" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> Existem outros descendo ao seu
lado, e isso é bom! Alguns podem estar muito perto e você tem a
sensação de que não desce sozinho. Segure-os pelas mãos, talvez
não haja muito que se possa fazer além disso, mas acredite, fará
muito bem a você e a eles. Nunca se esqueça que em cada tobogã só
cabe um e se houver alguma guinada muito forte, solte. Do contrário, você pode se machucar e machucar as outras pessoas. Ninguém é
forte o suficiente para consertar o tobogã dos outros, não se pode
saber nem mesmo onde o próprio dará no instante seguinte. Ainda
assim, se alguém que você ama te estender a mão, nunca deixe de
segurá-la.
</span></div>
<div align="JUSTIFY" class="western" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div align="JUSTIFY" class="western" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> No início, a descida parece tão
simples e lenta. Você tem pressa para descer, para saber aonde
aquela via tortuosa te levará mais à frente. Depois, há momentos
em que parece que você está descendo tão depressa, e você
gostaria de voltar um pouco mais atrás, ou até o início outra vez,
mas nesta viagem não há caminho de volta (é inútil tentar, você
só vai acabar se machucando, esta é uma das poucas coisas que posso
te dizer com convicção). Há também uma relação bastante
particular com aqueles que te colocaram no tobogã, que deram o
empurrão inicial. Haverá momentos em que você os odiará por isso,
outros em que os agradecerá... a verdade (pelos menos, para mim) é
que não há culpas, nem perdões aqui. Eles nunca estiveram em
terreno estável, sempre estiveram deslizando, assim como você, e
tentam de tudo que está ao alcance para terem a melhor descida
possível. Erros acontecem e sempre acontecerão. Mas, lembre-se,
apenas uma pessoa por tobogã. Não é egoísmo, é simplesmente como
as coisas funcionam (acredite, se coubesse a mim, seria diferente).</span></div>
<div align="JUSTIFY" class="western" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div align="JUSTIFY" class="western" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 150%;">Deslizo enquanto escrevo.
Deslizo enquanto durmo. Deslizo... após tanto tempo, com tantas
informações sobre o início e o fim, quanto tinha no primeiro
momento em que comecei a deslizar. Tentando resistir às guinadas,
aos solavancos, da minha própria maneira, apegando-me às minhas
estratégias que, no fundo, sempre soam bobas demais... inocentes
demais, diante deste grande e misterioso tobogã que não permite que
meus olhos vejam muito adiante. Sinto medo de que no final ele nos
engula a todos. Tenho medo que apague todas as imagens que venho
colecionando, que são tudo que tenho de mais valioso. Queria tê-las
para sempre neste álbum que carrego comigo, abraçado com todas as
minhas forças. Inspiro... mantenho meus olhos bem abertos e uma nova
imagem entra por eles, um novo registro de beleza e dor. Então, uma
morte, não no sentido figurado, uma morte real. Expiro e sinto dedos
tão ternos em meus cabelos. Percebo que continuo deslizando. </span></div>
Anderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-6707805655090999615.post-5270207788188468902013-08-26T20:12:00.000-07:002014-05-07T12:46:45.044-07:00 MISSÃO NÃGAS<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 26.9pt;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Eu estava andando pela rua num
dia de chuva e a coisa mais estranha aconteceu comigo, de repente, eu não sabia
mais de onde estava vindo e nem para onde ia. Juro, foi realmente assim. E quando
o desespero já começava a bater, vi um sujeito, que eu não conhecia, que andava,
despreocupadamente, se molhando com um capuz na cabeça e com um capacete de
astronauta na mão. Sem saber direito por que, cheguei ao seu lado e dividi meu
guarda-chuva com ele. Ele se virou para mim e sorriu. E me senti bem. E sabia
que ele também se sentia bem naquele momento. Andamos sem precisar falar um com
o outro, e não houve desconforto nenhum. Ele chutou uma lata que estava caída
no chão. Quando cheguei perto, chutei também. Percebi que estávamos conectados
de um jeito difícil de explicar. Que, ao chutar a mesma lata, tínhamos feito um
voto profundo. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> - Pra onde
você está indo? – me perguntou, de um modo que me fez pensar que ele já
soubesse a resposta.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> - Você vai
achar isso meio estranho, mas a verdade é que não sei responder. Tenho andado
meio confuso nesses últimos tempos – falei, enquanto olhava fascinado para
os incontáveis círculos que se desenhavam no chão com o cair dos pingos de
chuva. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> - Nem
esquente, as pessoas mais legais são sempre um pouco confusas – ele sorriu com
o canto dos lábios, fechando ligeiramente um dos olhos. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> - Pra onde
você está indo? Quem sabe eu posso te acompanhar com o guarda-chuva até lá? –
perguntei, talvez, querendo fazer um favor mais a mim do que a ele. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> - Estou indo
reto... E pra frente...</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> - Ótimo –
respondi contente. – É justamente para onde eu pensava em ir. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> Caminhamos mais um tempo lado a lado. Eu segurava
no cabo do guarda-chuva e ele um pouco mais acima, na parte de metal. Caminhamos
calados até que, numa esquina, ele disse:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> - Eu fico
aqui.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> Senti o ar me
faltar por um momento. Uma parte de mim queria acreditar que caminharíamos
reto... e pra frente... para sempre. Mas outra parte sabia que há as esquinas e
que o grande truque está em deixar o egoísmo de lado e saber quando as pessoas
precisam dobrar em alguma delas (por mais que isso te deixe devastado). </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> - Olha só, eu
não gosto muito desse lance de despedidas muito longas – disse ele, soltando o
guarda-chuva. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> - É, parece
mesmo que a gente tem algumas coisas em comum – sorri. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> - A história
toda é meio complicada e comprida e não vai dar pra explicar agora, mas, no bolso da tua calça,
tem um pedaço de papel com um endereço do lugar pra onde você precisa ir. Basta
seguir reto... e pra frente... </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> Eu fiquei
surpreso com aquela conversa, mas, às vezes, as coisas são assim mesmo,
estranhas e confusas. E pode ser pior tentar entender. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> - OK –
respondi, aceitando que não havia outra resposta. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> Ele se virou e
foi andando em outra direção.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> - Boa viagem! –
gritei.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> - Quem disse
que vou viajar? </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> Apontei para o
capacete de astronauta em sua mão. Ele sorriu e piscou para mim. Vi ele
entrando num táxi e indo embora. Então, segui reto... e pra frente... e quando
dei por mim, estava diante do endereço que ele havia me passado. Era a minha
casa e (acredite!) era a casa dele também. O tal sujeito era meu irmão. Nossa mãe
me explicou que ele tinha ido atrás de mim, porque eu havia saído sem destino
quando soube que ele iria numa viagem pra um lugar muito... muito distante. Demorou
um pouco para que as coisas que ela me disse fizessem sentido. Depois,
especialistas falaram que eu havia tido o que chamam de amnésia dissociativa,
uma perda repentina de memória e identidade diante de um episódio muito
estressante. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> Esse meu irmão
era um tipo de astronauta bastante especial. Ele estava de viagem marcada para
um planeta distante, com uma missão super importante. Parece que os habitantes
deste tal planeta estavam muito preocupados com assuntos complexos, que
demandavam muito tempo e responsabilidade. Logo, esses seres estavam correndo
sérios riscos de se tornarem a espécie mais chata da galáxia. Por isso,
recrutaram meu irmão, ninguém era mais indicado do que ele para evitar esta
catástrofe. Ele tinha algumas armas secretas para esta missão, dentre as quais
a receita de um molho de cachorro-quente picante e uma dança frenética dos anos
80 (certamente ele se sairia bem). </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> Eu chorei e
sofri muito quando minha mãe me fez lembrar de tudo isso. Mas nossa família é
grande e meus outros irmãos e irmãs precisam de mim, assim como eu preciso deles.
A única coisa que continuava doendo era a saudade, só que acontece que um dia
desses eu tive uma surpresa e tanto! Fui levar meu irmão mais novo a uma
exposição de pequenos animais excêntricos (para ver, principalmente, um hamster
de gravata borboletas que andava sobre duas patas e ainda levava em outra uma
pequena bandeja com uma garrafa e duas taças em miniatura) quando começou a
chover. Apenas eu havia levado guarda-chuva e, durante a volta, precisamos dividi-lo. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> Foi então que
ouvimos a voz do meu irmão astronauta. Quando nos demos por vencidos e
decidimos acreditar naquilo que nossos ouvidos escutavam, descobrimos que ele havia
instalado uma espécie de comunicador em meu guarda-chuva que só funcionava se
duas pessoas o estivessem dividindo (isso era mesmo a cara dele!). Contou-nos
que sua missão estava correndo melhor do que o esperado, a única coisa
preocupante era o risco de obesidade para os adeptos do cachorro-quente picante
que não gostavam de dançar (de qualquer maneira, esse imprevisto vinha sendo
superado com a introdução de alternativas, como a prática do bete-ombro). </span></div>
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"> Sempre que eu e meus irmãos queremos notícias dele, saímos pela rua em dois, três, quatro,
cinco... sob o mesmo guarda-chuva (inclusive nos dias de sol). Obviamente atraímos
todos os tipos de olhares das pessoas que passam por nós. Claro que poderíamos
falar com ele de dentro de nossa casa, protegidos pelas paredes, já que o
dispositivo funcionaria do mesmo jeito. Acontece que não teria a mesma graça, e
sabemos que nosso irmão astronauta iria gostar muito mais de nos ver andando
pela rua como um bando de lunáticos apinhados sob o mesmo guarda-chuva (o que,
convenhamos, é realmente muito mais divertido).</span></div>
Anderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6707805655090999615.post-67115559719889459622010-04-28T16:37:00.000-07:002010-04-30T11:43:36.438-07:00BORDERLINE<div style="text-align: justify;">Quando era menor, eu gostava de andar me equilibrando sobre o meio-fio. Para deixar a brincadeira mais emocionante, você pode fingir que de um lado há lava incandescente e de outro um precipício, por exemplo. Era isso que eu fazia, mas você pode pensar em qualquer outro elemento ameaçador, como um pântano com crocodilos, fosso com cobras, areia movediça... enfim, fica a seu critério. O importante é que realmente acredite naquilo que imaginou; que se der um passo em falso, não irá pisar no asfalto, ou na calçada, caso o contrário, a brincadeira perde toda a graça. Você pode fechar os olhos se preferir. </div><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""> </span>Depois de um tempo, a ansiedade começa a crescer, o medo de cair na lava ou no precipício só aumenta as chances de isso acontecer, e o meio-fio é tão estreito; se você parar para pensar um pouco, talvez se dê conta de que o meio-fio é sempre tão estreito... Não há ninguém lá para te ajudar; não, não é assim que a coisa funciona. Não há cordas ou corrimãos servindo como guia, nada para se apoiar. Algumas vezes, sinto vontade de simplesmente desistir, pular de uma vez. Acho que escolheria o precipício, queimaduras me parecem uma agonia demasiada. E andar medindo os passos, na iminência do fim a qualquer momento, não seria uma agonia insuportável?</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""> </span>Também penso um pouco sobre as pessoas que realmente gostam de mim, na falta que sentiriam se, por ventura, meus pés saíssem daquela linha segura. Não seriam muitas, são poucas as pessoas que gostam de mim de verdade e, provavelmente, com você não deve ser diferente. Sempre esperam que você siga o roteiro e fale aquele monte de besteiras sem sentido; se você se nega, suas chances de ser bem quisto diminuem; se você aceita, depois, sente-se um completo idiota. Nunca entendi o que todos têm contra o silêncio, como se as pessoas que estão em um grupo qualquer fossem obrigadas a interagir o tempo todo. Provavelmente, mais uma dessas heranças culturais e sociais estúpidas que, em maior ou menor número, acabamos internalizando, por mais que doa admitir. De qualquer forma, acho que cabe ressaltar que falar a esmo soa, para mim, como um grande equívoco. Não estou dizendo que seja uma regra, mas, pelo o que consigo recordar, as pessoas mais legais que já conheci não falavam muito. O oposto também vale, acho que nunca conheci alguém que achasse chato que não fosse um falante inveterado. Não posso dizer se os chatos são pessoas que falam demais, ou se pessoas que falam demais são chatas; talvez esclarecer isso também não fizesse muita diferença. </p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""> </span>Não pense também que sou um desses ranzinzas, que implica com todos e tudo. Acho sinal de ignorância não saber admitir que o outro é bom em alguma coisa (não uso a palavra infantilidade porque simpatizo com a infância), e sei que há várias pessoas que não sabem fazer isso. Às vezes, quando estou lá, me equilibrando no meio-fio, me dou conta do quanto consigo ser amargurado em alguns momentos (tenho uma certa resistência em usar a palavra “triste”, apesar de achar que ela encaixaria melhor, penso que ela me exporia demais). É como se a coisa toda viesse feito uma avalanche e me deixasse soterrado, e, quase sempre, isso acontece de uma hora pra outra. Também há momentos em que consigo perceber coisas arrebatadoramente bonitas, a maioria delas pode parecer estúpida pra você. A questão é que as cores exercem um certo fascínio sobre mim, e a luz do sol refletindo sobre papéis de bala ou latinhas de refrigerante num terreno baldio pode fazer valer o meu dia. </p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""> </span><span style=""> </span>Vez ou outra, me pergunto o que eu realmente desejo. Claro que há várias coisas, alguns dizem que são as nossas vontades que nos mantém vivos; no entanto, penso que, caso consiga chegar em casa me equilibrando neste meio-fio, seria muito agradável deitar em minha cama e sentir que a falta de pretensão fez de mim um pouco mais verdadeiro e muito mais livre. </p>Anderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-6707805655090999615.post-78161741043537498012010-04-04T10:45:00.000-07:002010-04-04T10:55:35.402-07:00BlogFaz algum tempo que não escrevo nada aqui (provavelmente voltarei a postar). No entanto, tenho postado regularmente, uma históra descompromissada, neste endereço:<a href="http://projeto-vortex.blogspot.com"> http://projeto-vortex.blogspot.com/</a>Anderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-6707805655090999615.post-25805121730928373772009-12-16T20:20:00.000-08:002009-12-16T20:23:39.449-08:00PUERILA felicidade que nunca esteve.... ali onde poderia estar<p></p> <p class="MsoNormal">A felicidade que sempre esteve.... a um passo de onde posso pisar</p> <p class="MsoNormal">Sempre me falta algo, que parece ser mais que tudo</p> <p class="MsoNormal">A única meta, o único alvo... é dar sentido ao absurdo</p> <p class="MsoNormal"><o:p><br /></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal">“Quem és afinal? Pedaço de matéria insaciável.</p> <p class="MsoNormal">Qual é este mal? Que a ti parece incurável.</p> <p class="MsoNormal">Quem te fez brotar? Pedaço de carne, assim, do nada.</p> <p class="MsoNormal">Qual é este lugar? Qual o começo, onde acaba?”</p> <p class="MsoNormal"><o:p><br /></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal">“Da poeira se fez vontade</p> <p class="MsoNormal">Da busca se fez dor</p> <p class="MsoNormal">A cura de ser metade</p> <p class="MsoNormal">É completar-se de torpor?”</p> <p class="MsoNormal"><o:p><br /></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal">A este mistério chamo EU</p> <p class="MsoNormal">É assim, sentir o sem sentido</p> <p class="MsoNormal">Se o não-nascido não morreu</p> <p class="MsoNormal">Não sabe o que é ter vivido </p> <p class="MsoNormal"><o:p><br /></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal">Um eterno recomeço </p> <p class="MsoNormal">Do naco de pão ao suspiro de prazer</p> <p class="MsoNormal">É este o preço?</p> <p class="MsoNormal">Do jogo estranho de viver.</p> <p class="MsoNormal"><o:p><br /></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal">“A ilusão do eterno não te conforta?</p> <p class="MsoNormal">A boca do mistério não te traz esperança?</p> <p class="MsoNormal">Pequeno cisco de desejo que comporta</p> <p class="MsoNormal">Curto presente, distante futuro, fugaz lembrança”</p> <p class="MsoNormal"><o:p><br /></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal">Percebo que não percebe...</p> <p class="MsoNormal">ilusório é tudo, eterno e passageiro</p> <p class="MsoNormal">queda que não acaba, sem haver despenhadeiro</p> <p class="MsoNormal">Muro que não se ergue</p> <p class="MsoNormal"><o:p><br /></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal">“De onde veio? Pra onde vais?</p> <p class="MsoNormal">Pequena criatura, entre o sempre e o jamais</p> <p class="MsoNormal">Como te chamam os teus iguais?”</p> <p class="MsoNormal"><o:p><br /></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal">Não há iguais, só há estranhos</p> <p class="MsoNormal">De tantos desejos e tantos nomes</p> <p class="MsoNormal">De diferentes formas e tamanhos</p> <p class="MsoNormal">Dizem que ser isso é ser Homem</p> <p class="MsoNormal"><o:p><br /></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal">Pedaço de pergunta sem resposta</p> <p class="MsoNormal">Carne dolorida e passageira</p> <p class="MsoNormal">O chão que é o útero em que repousa</p> <p class="MsoNormal">Amanhã te tomará como poeira</p>Anderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-6707805655090999615.post-89959054492994975592009-12-02T19:31:00.000-08:002009-12-02T19:43:47.817-08:00OUTSIDER<div style="text-align: justify;">Chovia um pouco, e eu estava nesta floresta de pinheiros com este meu amigo. Eu adoro o cheiro de pinheiro quando chove, adoro mesmo, não é conversa fiada, do tipo desse pessoal que diz que adora o diabo a quatro, só que no fundo nem gosta de verdade. E eu estava usando este meu chapéu de caça, a verdade é que ele é revestido com um tipo de pele que faz a minha cabeça suar e coça pra caramba, mas eu gostava de usar ele, acho que é o chapéu mais legal que eu já tive. E também, neste dia, eu e este meu amigo tínhamos ido caçar. O meu amigo era bom mesmo no troço, nunca vi o safado errar um tiro. Eu sempre tive pena de atirar nos animais e tudo, e ficava meio apavorado quando ouvia o estampido do tiro. Tanto é que neste dia eu nem estava levando espingarda porcaria nenhuma. Estava indo junto só pra poder conversar e acender uma porcaria de cigarro no meio dos pinheiros. Deus, como eu gostava daqueles pinheiros! De verdade mesmo. </div><p></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Você ainda está saindo com aquela garota? – ele me perguntou.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>Eu estranhei, porque ele nunca puxava conversa, nunca. Era praticamente uma odisséia arrancar meia dúzia de palavras do sujeito. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Qual?</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Você sabe qual. Aquela que faz a porcaria de curso de alemão com você.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- É italiano, eu faço curso de italiano. Porque a minha família é descendente e tudo.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Que seja... alemão e italiano é tudo a mesma droga.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Você manja mesmo dessas coisas de língua. Dá pra sacar logo quando um cara manja dessas coisas. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>Falei pra encher o saco. Sei lá por que cargas d’água, sempre dou um jeito de encher as pessoas que eu gosto.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- A gente tem saído junto sim.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Ela é uma garota legal; não faça merda com ela. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Eu sei, por que você está me falando isso? Nunca fiz merda com garota nenhuma...</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Você tem que tomar conta dela, sabe como? Você é o tipo de pessoa que precisa cuidar de alguém; eu sinto isso em você. Vê se não vira um tipo assim como eu... não sei por que você tem insistido em andar comigo. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>Ele não olhava pra mim enquanto falava. Estava com a espingarda às costas e usava um chapéu parecido com o meu. O chão estava todo molhado, e os galhos de pinheiro soltavam um cheiro ainda mais forte enquanto a gente pisava sobre eles. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Qual é? No fundo, mas bem no fundo mesmo, até que você é legal. Suportável, talvez.... – falei rindo. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Eu gosto de comer sozinho. Você sabe quando uma porcaria de sujeito é infeliz quando ele gosta de comer sozinho.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>Juro que me deu uma pena desgraçada dele quando ele disse isso. Não sabia que porcaria falar.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Sabe a garota do italiano, ela é legal pacas mesmo. Nem sei direito o que nela é tão legal assim, sei que nunca conheci ninguém igual a ela. Aí semana passada eu falei pra ela aquele lance igual ao Caulfield. Falei que a gente tinha que cair fora, que podia morar numa porcaria de cabana ou algo assim, e eu trabalharia de frentista em algum posto qualquer e essas coisas, e que a gente ia acabar sendo muito mais feliz que esse bando de otário que estuda com a gente. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Cala boca... não vai fazer merda. As coisas não funcionam assim. Vocês dois são acostumados com a vida boa. Comida na mesa quando chegam da aula, banho quente e assistir a TV a tarde toda. Não iam agüentar uma semana numa droga de cabana. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Você acha que eu preciso dessa porcaria toda? Não preciso não, meu amigo. Está aí uma coisa que eu não preciso...</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Tudo bem, você está certo. Não sei como pude me enganar. Você exala a uma vida dura, é só olhar essas suas mãos calejadas – disse ele me ironizando.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>O safado também sabia ser irônico. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Por que você gosta tanto de caçar? – perguntei.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Pela droga do silêncio – ele respondeu tentando cortar o assunto. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Qual é?! Você leva as coisas a sério demais. Fala aí, por que um cara péssimo de pontaria e tudo insiste em sair caçar por aí...</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>Falei só pra encher mesmo, o safado nunca errava um tiro. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Sei lá... que porcaria de pergunta! Talvez seja por aquele momento antes do tiro. Quando você já viu o animal e ele ainda não te viu. Você já sabe que a coisa toda vai acontecer, que você vai atirar e ele vai morrer. E você não sabe por que ele apareceu naquela hora, e por que você estava ali também. E tudo parece tão sem sentido e você se sente estranho. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- E por que você gosta disso?</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Não sei...</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>A gente continuou andando. Estava chovendo e, às vezes, caiam uns pingos de chuva maiores em mim, dos galhos das árvores. Não sei direito por que, mas eu estava me sentindo tão bem de estar ali com o meu amigo e com o cheiro de pinheiro. Sei que já falei isso, mas eu sou simplesmente doido por cheiro de pinheiro. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>Aí a gente foi embora. E eu dormi, talvez um ano ou dez, ou dez mil. E você não vai acreditar, mas, quando eu acordei, eu estava nesta floresta de pinheiros, com este meu amigo. E eu usava um chapéu de caça, que esquenta um pouco e faz a minha cabeça coçar, mas eu sou doido por ele. Nossa, às vezes, as coisas parecem tão estranhas...</p>Anderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-6707805655090999615.post-53632697548776496612009-10-02T05:19:00.000-07:002009-10-02T05:27:27.134-07:00SUNDAY MORNING...<div style="text-align: justify;">É engraçado... eu não consigo lembrar de como cheguei aqui. Tudo o que sei é que aqui estou, nesta rua vazia, chutando esta lata. Está uma manhã bonita, bonita mesmo, e não está ventando. Gosto de chutar latas por aí, principalmente quando não está ventando. Não sei que rua, bairro ou cidade é esta, mas simplesmente não me importo. Tudo que sei é que sigo a lata que estou chutando, e me sinto bem. Não sei de muita coisa, e me sinto tranqüilo por isso. Acho que as pessoas que sabem várias coisas são chatas, porque quase sempre querem mostrar que sabem muitas coisas... Como não sei quase nada, não esperam muito de mim, eu acho. Não tenho certeza disso porque não me lembro direito, só tenho essa impressão. </div><p></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>Há algumas casas bonitas por aqui, mas algo me diz que as pessoas que moram nelas não são felizes. Abriram mão de muitas coisas para poderem ter casas bonitas, e no fundo, acham que não valeu a pena. É essa impressão que tenho. Sei que não vou ter nenhuma casa bonita, abri mão disso porque gosto de chutar latas por aí. Às vezes, também acho que não fiz a escolha certa. Mas não estou triste; não agora. Não há motivos para estar triste, hoje está uma manhã bonita, e não está ventando. Gosto de chutar latas por aí, principalmente quando não está ventando. </p>Anderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-6707805655090999615.post-28959958539562848922009-09-14T07:44:00.000-07:002009-09-14T08:12:01.799-07:00SOBERBANunca fui supersticioso. Não acredito nessa história de sobrenatural e coisa que o valha, mas ontem me ocorreu algo estranho. Bebi um pouco, talvez não tão pouco, porque, cada vez com mais freqüência, o álcool parece ser uma das poucas alternativas que vale o custo-benefício (embora provavelmente também não valha; pelo menos, não se descobre isso a curto prazo). Voltava para casa sentindo um tipo de alívio, encarando as coisas com menos seriedade, de uma maneira que somente a santa embriaguez proporciona. Foi então que um senhor, sentado ao chão, enrolado em um velho cobertor surrado e com as costas encostadas contra o muro me disse:<p></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Você gosta de escrever, não gosta?</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>Provavelmente, não sei direito por que, se eu não estivesse bêbado, não teria lhe dado ouvidos. Mas, no estado em que eu estava, senti uma incontrolável vontade de conversar com ele, por pouco não me sentei ao chão do seu lado.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Gosto... gosto sim – eu ri. – O que é mais trágico nisso tudo é que eu gosto de verdade. Não sei se você me entende, mas tem muita gente por aí que lê sem gostar, e escreve sem gostar também. Mas eu, eu sou um desses desgraçados que precisa disso... mas não me orgulho. É como se fosse uma fuga, sabe? Quando leio, estou em um outro lugar, que não nesta rua miserável em que estamos agora, e nem deitado em minha cama a dois quarteirões daqui. É algo parecido com o álcool... E quando eu escrevo... quando eu escrevo, é diferente, fujo para longe também, embora muitas vezes aquilo do que desejo fugir acabe vindo à tona. Mas quando se escreve, o controle é fascinante, você me entende? Não importa que imprevisto possa acontecer na porcaria da minha história, para mim, nunca será um imprevisto. Eu estou no controle, lá, neste lugar para onde eu fujo. Não importa o quanto você seja sensível, passional e inspirado... a grande verdade é que a literatura é uma arte racional.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>O velho riu. Dentes amarelos corroídos, com manchas escuras. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Gosto de você.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>Não sei por qual razão, quando ele me disse aquilo quase caí <st1:personname productid="em prantos. Choro" st="on">em prantos. Choro</st1:personname> pouco, lembro de ter chorado no máximo uma meia dúzia de vezes em minha vida. Mas há algumas situações que aos outros parecem banais que a mim soam tão deprimentes que mal consigo me controlar. Senti vontade de me ajoelhar, de beijar aquele rosto sujo e feio e agradecer... agradecer mil vezes por um ser vivo, que sente, pensa e é livre, ter escolhido gostar de mim. Senti vontade de dizer que também gostava dele. Não, senti vontade de dizer que o amava por ter me dito aquilo, naquele momento em que eu voltava embriagado para a minha casa... lembrei que tinha algum dinheiro no banco, sacaria tudo, até o último centavo e daria a ele. Porque, afinal, ele gostava de mim, e isso era tanto! Quase mais do que eu podia suportar naquela hora. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Mas, sei que isso é algo difícil de se ouvir, mas você não é bom. Digo, na literatura...você não é bom. Não que seja ruim, mas não é brilhante. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>Dor. Eu quis morrer. Quis matar.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Por que você diz isso? Você me odeia, não é mesmo? Olha, você ainda tem esse seu cobertor velho, e esse seu sapato furado. E eu, o que eu tenho? Eu só tenho as minhas histórias e mais nada. Sei que você não vai entender, mas está vendo esse meu casaco quente e confortável, essa minha calça limpa e bem passada, ou esse meu sapato lustrado... eu não tenho nada disso. Eu nunca tive.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Eu entendo. Eu sei disso tudo que você está me falando. Sei que nós dois temos muito pouco.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Então, por que me diz isso? Por acaso gostaria que eu roubasse suas roupas e o deixasse jogado ao relento nesta noite fria?</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Só disse isso que lhe disse porque posso ajudá-lo. Hoje é um daqueles dias pelos quais você sempre espera e que, no fundo, teme que nunca chegue. Não importa como, posso fazer algo por você. Posso fazer com que você escreva como ninguém, as histórias mais criativas, as idéias mais originais... Posso fazer de você o melhor escritor que já existiu.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>Talvez pela bebida, não sei direito, mas o fato é que acreditei piamente naquilo que o velho me falava. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Por favor, por favor faça isso – disse tombando de joelhos, eufórico, olhos marejados. – Livre-me da mediocridade na única coisa em que me importa ser bom. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>- Mas há um porém. Ninguém nunca poderá ler uma linha sequer do que você escrever a partir de então. Será o melhor de todos, mas ninguém além de você saberá disso. Está disposto a pagar esse preço?</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>Bem, como você está lendo este texto, sabe que escolha eu tomei. Aquele velho parecia muito sábio, de uma maneira até mesmo fantástica. No entanto, o que ele não se deu conta é que em momento algum estive realmente surpreso. Afinal, ele estava em minha história, o único lugar em que controlo tudo, e não há um imprevisto sequer. <span style=""> </span></p>Anderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-6707805655090999615.post-58607813660312635952009-09-10T22:12:00.000-07:002009-09-11T04:07:49.436-07:00CURTO DIÁLOGO<div style="text-align: justify;">Ele andava pela rua, distraído como sempre. Absorto? Ela andava pela rua. O fim de mais um dia de trabalho. Um pouco ressentida, pensava em algo que devia ter dito quando a ofenderam, mas que não disse. De repente, ele a aborda:</div><div> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""> </span>- Olha, eu sei que isso vai parecer estranho... mas eu te vi caminhando e, quando nossos olhos se encontraram, pensei, será que você pode me ajudar?</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""> </span>- Pois não? _ disse ela num tom complacente. </p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""> </span>- Acho que não é isso que você pode estar pensando... Eu não quero nenhuma informação, nem nada do gênero. Eu só pensei que talvez você pudesse me ajudar... se acha que não, por favor, me diga agora; se não disser, será muito pior mais tarde. E então, o que você me diz?...</p>Anderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6707805655090999615.post-9243366607338074982009-07-13T13:14:00.000-07:002009-07-13T13:18:40.954-07:00The Elephants Die AloneI woke up... without my teeth, I can not smile<br />I like so much… the way she sleeps, her profile<br /><br />Alice, perdi minha flauta e minha lira,<br />mas juro que nunca fui cínico<br />Será a tragédia a minha sina<br />ou é só o meu eu – lírico?<br />Consegui seguir teus passos<br />enquanto seguias o coelho branco?<br />Ou ser seguida é muito chato<br />E acaba em desencanto<br /><br />“Por que me falas em sina?<br />Solitário flautista andante<br />No país das maravilhas<br />Nada é como antes<br />De cabeça para baixo ou de pés para cima<br />De frente para trás, ou de trás para diante”<br /><br />Sim, eu sei... tudo muda num instante<br />Numa hora, pequenina; e noutra, gigante<br />Antes a morte que a rotina e o igual entediante.<br />Encontrei a canção perfeita, nunca jamais tocada<br />Que só pode sair direita, em flauta torta ou quebrada<br />E tu sabes se estás fugindo ou à procura?<br />Ou à procura enquanto foges...<br /><br />“Não me sinto em casa em nenhum mundo<br />Por que este gato tanto sorri?<br />Há este meu medo tão profundo<br />Que não revelaria nem a ti”<br /><br /><br />Although you’re not good, you still being the best<br />First finish the job, than maybe you can rest<br /><br />Remember what I told<br />If there is no pain, sorry, no pen, write with your blood<br />But, if there are no ideas, I guess you’re just too old<br /><br />So, my friend, help me to find the true<br />Is it better to be dead than cold, or better to be dead than cool?<br /><br />Hey mammy, where is my fake gun? Where are my broken toys?<br />They said that I’ve never had fun, that I’ve never had joy<br />Here I am, just your little sick… your little sick boy<br /><br />I’d rather be high, than crawling in the shit<br />First you need to tie, and after you need to hit<br /><br />If you’re bad on your own language, find a foreign one<br />But if you’re bad on both, I guess you’re already done<br /><br />I know what they said, and I know what they thought<br />“There was no love gain, and there is no love lost”<br /><br />Too many reasons to live, too many reasons to die<br />Too many reasons to forgive, and too many to deny<br />Too many reasons to be clean, and too many to be an addict<br />Until this boring story finish, just keep following the rabbit<br /><br />I don’t know I don’t know I don’t know I don’t know<br />I don’t know I don’t know I don’t know why….Anderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-6707805655090999615.post-86571851437521774602009-06-03T09:00:00.000-07:002009-06-03T09:17:56.813-07:00EsqQUIzoFrEnIA PARANOID“Perdendo cansaço... digo, contato.”<p></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">“Interrompendo transmissão...”</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">“Perdendo contato.”</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">- Meu Deus, Johnny!! Meu Deus... o que é isso? Nós estamos caindo... você não pode deixar cair agora...</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">“Que merda, Sr. B., nós estamos caindo há pelo menos uma vida, será que não percebeu? O que você está fazendo aqui? Tentando assumir o avião?... O meu avião. A minha porcaria de avião. Volte para a minha caixa preta, quem sabe um de nós sobreviva à truculência... digo, turbulência”.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">“Perdendo controle... digo, contato. Merda! Merda! Merda!” </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">“Perdendo contato, não controle.”</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">“Interrompendo transmissão...”</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">- Ei, Johnny, agora que você não precisa mais se preocupar com o avião, quem sabe, consiga dormir.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">“Cala a boca, Sr. B., por favor, apenas cale a boca.”</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">“Transmissão interrompida por tempo indeterminado.”</p>Anderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-6707805655090999615.post-56192588952776183142009-05-24T09:47:00.000-07:002009-05-24T14:42:41.466-07:00II - Aquarela de Outono(Esta poesia é de uma outra personagem do meu livro, Contos de Fado. A personagem se chama Ângela).<br /> <!--[endif]-->II - Aquarela de Outono<br /> <br />Você olha pela janela e vê a chuva de estrelas<br />E o brilho é tão bonito, que você quase chega a compreender<br />Que conhecer o infinito é simplesmente não saber<br />E hoje você sabe, que, na verdade, sempre conhecera<br /><br />E você olha pra dentro e esquece<br />Que quando você lembra começa a esquecer<br />Que a chuva de estrelas desaparece<br />Se você quiser entender<br /><br />Será que você não entende<br />Que toda estrela é diferente<br />E a igualdade se paga<br />Com tudo que se apaga<br /><br />E você olha pela janela<br />E não há mais estrela, nem céu...<br />E a esperança que há nela<br />Se faz das dores a mais cruel<br /><br />Porque enquanto você procura<br />Luta, tenta, come e vaga<br />A noite cada vez mais escura,<br />No final tudo se apaga<br /><br />Porque é assim que acaba<br />Quando se entrega<br />É assim que se paga<br />Quando se apega<br /> <br />Pare de cortar o tornozelo,<br />Talvez o pulso<br />Por que não raspa o cabelo?<br />Por falso impulso<br /><br />Não consigo explicar<br />(sou tão burra)<br />Não sei me adaptar<br />(sou uma intrusa)<br /><br />Há tantos grupos<br />(não faço parte)<br />Não consigo tentar<br />(sou tão covarde)<br /><br />Sempre achei meu nome tão feio<br />Mas dito por sua boca parece poesia<br />Da maneira que sonhei você veio<br />E já nem lembro mais o que temia<br /><br />Só me acorda para ver o fim do mundo<br />Cada comprimido <span style="font-style: italic;">Vale um</span> sono profundo<br />Prefiro a falsa paz que a dor verdadeira<br />Um penhasco, a beira da loucura leva à beira<br /><br />Ouço passos dele lá fora<br />Está rondando minha casa<br />Tanto faz se será ontem, amanhã ou agora<br />Marcou minha alma com ferro em brasa<br /><br />Karma-furacão<br />Me leva ao céu me joga ao chão<br />Karma-cão-de-caça<br />Caça o caçado e o cão que caça<br /><br />Karma-sentinela<br />Ninguém foge ou escapa<br />Choro à tua espera<br />No final, tudo se pagaAnderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6707805655090999615.post-64588205919484054052009-04-27T21:23:00.000-07:002009-08-25T07:10:01.862-07:00ROLAMENTO<div style="text-align: justify;">Os pequenos detalhes são extremamente curiosos. Porque costumam deflagrar a especificidade de uma determinada coisa e, porque, em alguns casos, têm uma grande repercussão. Pode parecer uma fala meio batida, mas extremamente válida. </div><div style="text-align: justify;"> </div><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Havia esse casal de namorados, estavam completamente apaixonados. Eis que quando comiam, num dia qualquer e numa lanchonete qualquer, a moça percebeu um pedaço de alimento preso nos incisivos do rapaz. E aquilo lhe pareceu tão medonhamente repugnante como jamais imaginaria. E a forma como ele falava e ria, inconsciente do ridículo, causava-lhe uma repugnância ainda maior. Mas simplesmente não conseguia avisá-lo, parecia haver algo de hipnótico na repugnância que a imagem provocava nela. O fato é que, depois daquele dia, nunca mais o viu com os mesmos olhos e, pouco tempo depois, terminou o namoro. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Havia este menino que simplesmente idolatrava seu pai. O homem parecia ter uma conduta impecável aos olhos do garoto. Um dia, um desses sujeitos que tenta sobreviver coletando material reciclável para a revenda acabou esbarrando com o seu carrinho na lataria do carro do pai <st1:personname productid="em questão. O" st="on">em questão. O</st1:personname> episódio, talvez por uma seqüência de outros pequenos detalhes que geralmente acabam omissos, desencadeou tal ira no homem que o binômio causa-efeito pareceu racionalmente inexplicável. Teve origem uma seqüência de impropérios e gestos que beiraram os safanões. A imagem do pobre coitado, simplório e acuado, e do pai colérico jamais foi apagada da memória do menino. E ele jamais viu seu pai da mesma forma. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Havia esse rapaz que nutria uma profunda admiração pelo seu professor. Via-o como se fosse a própria sabedoria personificada. Mas eis que um dia o tal mestre empregou uma palavra errada, um erro que muitos veriam como algo banal, mas que para o aluno foi uma falta sem perdão. Em vez de “a pupila dilatou”, o homem disse “a pupila delatou”. O rapaz desejou que seu professor houvesse morrido a ter dito aquilo. E nunca mais o viu com os mesmos olhos. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Existe uma espécie de padrão no que aqui foi narrado. Profunda admiração, seguida de uma pequena falta, ou algo do gênero, e, finalmente, uma enorme decepção aparentemente injustificável. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Eis que o narrador que vos fala tem uma curiosa relação com as pessoas. Sente por elas uma profunda admiração e, ao mesmo tempo, sente-se decepcionado com todas elas. Mesmo com aquelas que ainda não lhe apresentaram falta alguma, ou até mesmo com aquelas que ainda nem conhece. Então, meu amigo, estive pensando sobre isso tudo de uma maneira muito confusa e tive esse estranho desejo de ver o apocalipse sentado ao seu lado. Por mais que eu mesmo não acredite no apocalipse. Mas foi esta imagem que me passou pela cabeça, o alto de uma montanha num final de tarde e o fogo devorando tudo. Então, riríamos uma última vez antes de sermos engolidos pelas labaredas. E sei que seria um riso espontâneo e sincero. Seria melhor do que decepcionarmos uns aos outros e a nós mesmos ao depararmo-nos com uma vida estável e enfadonha. Às vezes, esse binômio causa-efeito me deixa profundamente intrigado. A maneira como não falha. Creio que a única saída seja ignorar as inevitáveis conseqüências.</p> <p class="MsoNormal" style="text-indent: 35.4pt;"><o:p> </o:p></p>Anderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-6707805655090999615.post-64801491921935202762009-04-18T10:16:00.000-07:002009-04-18T10:22:25.891-07:00A Caixa de DoraEsta poesia é de uma personagem minha, chamada Dora, do livro "Contos de Fado", que você encontra na banca mais próxima a sua casa (na verdade, você não encontra não, porque sou um pseudoescritor sem editora, mas tem pra baixar aí ao lado, se o link ainda não expirou...) <div><br /></div><div><br /></div><div><p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><span style="font-size:14.0pt">A Caixa de Dora<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Se meu passado fosse mais que perfeito</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Meu futuro não seria do pretérito</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Se a perfeição não fosse meu único defeito</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Errar não seria meu maior mérito</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Não, eu não falava do futuro do presente</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Não, eu não esperava presentes do futuro</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">É que a ausência sempre esteve presente</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Na presença daquilo que é impuro</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">De presente, só ganhei derrotas</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Pelo caminho, só perdi as vitórias</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">E foi quando me encontrei perdida</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Que perdi o encontro comigo mesma</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Veja você, </p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Há tanto choro que soa como gargalhada</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Veja você, </p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Se o humor é negro, eu sou a piada</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Veja você, </p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Seu riso é doce, minha lágrima, salgada <span style="mso-spacerun:yes"> </span></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Sou eu que consumo o tempo</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Ou é o tempo que me consome?</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">O senhor é dono do escravo</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Ou escravo é todo homem?</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Os meninos da cidade fogem da agitação</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Se chocando com os do campo</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Que seguem na contramão</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Será que está tudo errado ou é só o jogo da insatisfação?</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Levante-me, estenda-me sua mão</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Se você tem tantas, quem sabe possa me dar uma</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Se isso é meu direito, não abro mão de forma alguma</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Você deve saber</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Que não nasci para deveres</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">O mundo é que me deve</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">O direito aos prazeres</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Esqueça-se dos porquês</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Nunca houve nenhum sentido</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Afogue-se neste mar de clichês</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">E me leve junto contigo</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Sei que é triste, mas parece cômico </p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Suas promessas não cumpridas têm gosto de vômito</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Então, vou comê-lo à vontade</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Quem sabe, corroendo por dentro, mate esta saudade</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Quem é aquela que se aproxima?</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">É a Santa Papoula que brilha</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">E agora o que eu faço?</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Não é preciso nada, há o opiáceo</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Se pelo menos esta dor fizesse algum sentido</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Se ao menos você pudesse explicar</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Então te deixaria sofrer comigo</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Lâmina longe da ferida, me deixe respirar</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">O que é isso que varre o vazio?</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">O cansaço do câncer, ou o câncer do cansaço</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Não é o vento lá fora, é aqui dentro que está frio</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Ria do espetáculo, depois mate o palhaço</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Antes eu chorava, por aquilo que agora me faz rir</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">E o inverso disso também é verdadeiro</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">A molécula destruída também pode construir</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Juro que é verdade, para o nosso desespero</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Carimbo pra nascer, carimbo pra morrer</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Meu “eu” de papel vale mais que o de carne</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Dor pra morrer, dor pra nascer</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">O papel que compra, veia que arde</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Agora sou sede e fome</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Perdida no meio do deserto</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Se errar é humano, o erro é o Homem</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Se o certo é o errado, o errado é o certo</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Os pedaços da carta voam pela janela</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Culpas, desculpas e motivos</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Remorso esmaga, compaixão atropela</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Perdi e venci o inimigo</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Agora estou no alto de um prédio</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">O mistério, alguns andares abaixo</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Não há dor sem remédio </p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Engulo, aplico, enfaixo</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">O cano encostado na fronte</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">O mistério, no puxar do gatilho</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Por favor, não me desaponte</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Drama, comédia e martírio</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">A lâmina colada ao pulso</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">O mistério, no deslizar para o lado</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Velhos sonhos guardados avulso</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Esqueça o futuro, planeje o passado</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Estou na banheira com água morna</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">O mistério, dividido em comprimidos</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Aquilo que vai um dia retorna</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Nenhuma mordaça sufoca os gemidos</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Há tantos que vivem por um sonho morto</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Há tantos que morrem por um sonho vivo</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">É na dor que ele encontra conforto</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">É ela quem me rouba o juízo</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Pare com esses barulhos</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">O silêncio, o choro, a sirene</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">O celular, o lócus coeruleus</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">A mente que não cala, o corpo que treme</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">No fim que chega para todos</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Que me traga pela boca do vazio</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Sangrando, nua, cercada por lobos</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Estive gritando por séculos, alguém ouviu?</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Encontre a lógica de todos os absurdos</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Velhos sonhos puxam a nova carruagem</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Estamos chatos, velhos e sujos</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center">Mas tudo não passa de uma grande bobagem</p> <p class="MsoNormal" align="center" style="text-align:center"><o:p> </o:p></p></div>Anderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-6707805655090999615.post-8007084212237421352009-04-14T17:33:00.000-07:002009-04-14T17:37:28.652-07:00In Utero<p class="MsoNormal" style="text-align:justify;text-indent:35.4pt">Eu estava nesse lugar quente e confortável. E sentia que havia alguém que me amava de forma incondicional e, talvez, meio que sem sentir ou sem saber direito, eu também amava essa pessoa. E éramos extensão um do outro, e sei que havia um tipo muito característico de satisfação de ambas as partes por estarmos ligados. E havia esse cordão que não me deixava sentir fome, e esse líquido morno que me protegia de tudo. E não existia medo ou dor. E nem haveria o que desejar. Então, eu saí. Retirado por mãos estranhas. Uma claridade me cegava os olhos, olhos estes que até então nem sabia que existiam. Romperam o tal cordão que evitava que eu sentisse fome, um tipo de desconforto que também não sabia que existia. Separaram-me de um corpo que achava que fosse parte do meu e o tal líquido protetor vazou. E senti frio. Uma das primeiras ações dessas pessoas, seres que até hoje me intrigam e que de maneira geral são chamados de “outro”, foi me bater. Deram-me um tapa e senti dor. Dor é uma dessas coisas que você dá um nome para ter a sensação ilusória de segurança de que sabe o que é, mas que nunca sabe. Pensando melhor, não é apenas com a dor que isso ocorre. Acho que não conheço nada sobre todas as coisas que encontrei depois de sair daquele lugar a não ser seus nomes. E a respeito dessas que não são assim concretas como “porta” ou “sapato”, não sei nem se lhes chamo pelo nome certo. Mas, enfim, deram-me o tal tapa, senti a tal dor e meus pulmões encheram-se de ar pela primeira vez. O que eu acho curioso é que, se eu houvesse morrido logo após ter respirado aquela única vez, teria provado a essência do existir. Teria sentido aquela sensação de incompletude; a dor física e um esboço do que talvez chamaria de medo (outra daquelas palavras que você emprega, mas não sabe direito o que é); uma ânsia de provar o novo, de experimentar aquilo que não sou eu; e inúmeras tentativas de recuperar, claro que sempre parcialmente, aquela sensação de satisfação e conforto que havia lá dentro. Se me perguntassem se vale a pena, eu não teria uma resposta pronta, dessas bonitas e otimistas. Também não teria uma resposta melancólica e pessimista. Acho que diria apenas que, se não tivesse sentido dor, eu não teria aprendido a respirar. </p>Anderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6707805655090999615.post-1837618124017025142009-04-11T14:06:00.000-07:002009-04-14T06:27:55.942-07:00Carta ao Amigo<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Meu amigo, como vai você? Sei que o que você fez foi sem nenhuma pretensão, mas não faz idéia do quanto me ajudou. Em alguns momentos me via nele... Em outros, queria me ver. Tenho certeza de que você era muito parecido com ele também. Às vezes, acho irônico que um dos únicos amigos que tive, uma das poucas pessoas que realmente se parece comigo, nunca tenha existido. Mas, se paro para refletir um pouco, percebo que isso é típico de mim. Será que todas essas coisas estranhas que passam pela minha cabeça também passam, ou passaram, pela sua um dia? Será que me sentiria à vontade para falar com você abertamente sobre todas essas loucuras que vêm me acompanhando há tantos anos? Esses fantasmas também o perseguem até hoje? Eu preciso me livrar deles, talvez você saiba como. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">E o isolamento, foi mesmo a melhor saída? Em alguns momentos, anseio por ele com todas as minhas forças. Sei que é uma forma de se evitar a dor, mas você considera que foi mesmo a melhor escolha? Confesso que as relações sociais muitas vezes não parecem valer a pena pra mim. A maioria das pessoas é tão enfadonhamente parecida, e tão decepcionante... Sei que você pensa a mesma coisa. No entanto, algo me ocorreu. O problema não está com eles; nunca esteve. Essa tentativa de culpá-los é só um mecanismo de defesa. Talvez todo esse grande corpo esteja doente, mas talvez a grande habilidade consista justamente em se adaptar a ele. Não são eles que estão errados, meu amigo... Eu e você somos os disfuncionais aqui. Às vezes, penso num veleiro... cortar o oceano sem nada por perto por quanto tempo der. Não sei se suportaria apenas a minha presença por tanto tempo quanto você.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Gostaria de saber o que você acha disso tudo agora, no auge dos seus noventa anos. Há momentos em que me sinto tão velho. Até hoje não consegui pensar em um plano melhor para a minha vida do que aquela sua idéia maluca que dá nome ao livro. E o que você acha da literatura? Ela vale a pena? Hoje eu acho que não, mas ela me ajudou por muito tempo. Foi minha maior fuga e meu único vício. Sinto-me aliviado por você detestar cinema, caso o contrário, todos esses idiotas distorceriam ainda mais o que você disse; e inventariam mais um milhão de bobagens em cima da sua história. Você sabe como eles são, simplesmente não conseguem ver e aceitar a beleza que há no simples. Diga-me, você é tão velho quanto eu? Alguém, um dia, já foi assim tão velho quanto eu? </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Você sempre quis saber pra onde os patos e os peixes vão quando o lago congela. Por favor, só queria que você, ou quem quer que tenha a resposta, me respondesse esta única pergunta, e nós, pra onde é que nós vamos quando a droga do lago congela? Pra onde? Pra onde? Pra onde?... </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Talvez um dia eles nos deixem em paz, talvez nunca. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Até qualquer hora, meu velho. <span style=""> </span></p>Anderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6707805655090999615.post-63965049790133360882009-04-08T11:08:00.000-07:002009-04-08T14:39:31.731-07:00SE BEBER, NÃO DIRIJA<p class="MsoNormal" style="text-align:justify;text-indent:35.4pt">Quem, meus amigos, não gostaria de ser salvo? Por isso os mártires, líderes espirituais e, por que não, os maias fazem tanto sucesso ainda hoje. As famosas profecias sobre apocalipse e salvação... Em minha opinião, esses maias eram uns safados que deviam estar entorpecidos por alguma coisa quando escreveram as tais profecias, e só porque faz muito tempo que fizeram isso, e porque têm um nome como “maias” (não soube que adjetivo usar para classificar tal nome) todos os levam a sério. Quase todos, melhor dizendo. Mas não tenho nada contra os maias, é só minha humilde opinião. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><span style="mso-tab-count:1"> </span>O fato é que não preciso mais procurar um salvador, encontrei meu messias... Ele se chama Airbag. Um nome tão... tão inglês... tão sofisticado. Adoro esse nome. E que Ser mais altruísta, mais abnegado. Está lá só para me salvar... Sua existência tem como meta apenas a minha salvação. E eu, o que posso fazer por Ti? Queria fazer algum sacrifício também, mas o máximo que posso é pregar Teu nome, correndo o risco de que me chamem de irônico, ou louco, ou estúpido. Ainda assim, jamais Te renegarei... Oh, Airbag! Oh, Airbag! </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><span style="mso-tab-count:1"> </span>A vontade que tenho é de pegar o carro e atirar contra o primeiro poste que ver pela frente, apenas para encontrar-Te, para Te ver surgindo espontaneamente do meio do volante, como uma espécie de epifania. Digam-me, que messias pode ser assim tão concreto, tão palpável quanto o Airbag? Quero ver-Te estampado em todos os lugares... Imagino as meninas portando mini Airbags em formato de coração e aroma de morango... os meninos com chaveiros de Airbags cobertos de octógonos pretos e brancos, lembrando uma bola de futebol. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><span style="mso-tab-count:1"> </span>Imagino um salão de pessoas, entoando, extasiadas, cânticos em Seu nome, enquanto no altar repousa um volante com um Airbag murcho dependurado, simbolizando o sacrifício em prol do outro. Oh, Airbag, Tu, que proteges minha vida, tão desprovida de propósito; que proteges minha família, tão pura e feliz... O que posso fazer para retribuir? Quero Airbags laterais... frontais... traseiros... diagonais... Quero recobrir as paredes de meu quarto com Airbags, para que possa me atirar contra eles até perder completamente as forças. Tu, que proteges as famílias cheirosas e de dentes alvos, e também os que criticam tais famílias (desde que também sejam cheirosos e tenham dentes alvos). Sei que vieste para o juízo final, para separar o joio do trigo. E sei que somente aqueles que Te possuem serão salvos. Digam-me, meus amigos, quem precisa dos maias?</p>Anderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6707805655090999615.post-3802115117730893132009-04-03T15:16:00.000-07:002009-04-03T15:17:29.801-07:00Falling Down<object width="425" height="344"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/DoWyLXV88qs&hl=pt-br&fs=1"><param name="allowFullScreen" value="true"><param name="allowscriptaccess" value="always"><embed src="http://www.youtube.com/v/DoWyLXV88qs&hl=pt-br&fs=1" type="application/x-shockwave-flash" allowscriptaccess="always" allowfullscreen="true" width="425" height="344"></embed></object>Anderson Onofrehttp://www.blogger.com/profile/07993314254995755389noreply@blogger.com0