segunda-feira, 27 de abril de 2009

ROLAMENTO

Os pequenos detalhes são extremamente curiosos. Porque costumam deflagrar a especificidade de uma determinada coisa e, porque, em alguns casos, têm uma grande repercussão. Pode parecer uma fala meio batida, mas extremamente válida.

Havia esse casal de namorados, estavam completamente apaixonados. Eis que quando comiam, num dia qualquer e numa lanchonete qualquer, a moça percebeu um pedaço de alimento preso nos incisivos do rapaz. E aquilo lhe pareceu tão medonhamente repugnante como jamais imaginaria. E a forma como ele falava e ria, inconsciente do ridículo, causava-lhe uma repugnância ainda maior. Mas simplesmente não conseguia avisá-lo, parecia haver algo de hipnótico na repugnância que a imagem provocava nela. O fato é que, depois daquele dia, nunca mais o viu com os mesmos olhos e, pouco tempo depois, terminou o namoro.

Havia este menino que simplesmente idolatrava seu pai. O homem parecia ter uma conduta impecável aos olhos do garoto. Um dia, um desses sujeitos que tenta sobreviver coletando material reciclável para a revenda acabou esbarrando com o seu carrinho na lataria do carro do pai em questão. O episódio, talvez por uma seqüência de outros pequenos detalhes que geralmente acabam omissos, desencadeou tal ira no homem que o binômio causa-efeito pareceu racionalmente inexplicável. Teve origem uma seqüência de impropérios e gestos que beiraram os safanões. A imagem do pobre coitado, simplório e acuado, e do pai colérico jamais foi apagada da memória do menino. E ele jamais viu seu pai da mesma forma.

Havia esse rapaz que nutria uma profunda admiração pelo seu professor. Via-o como se fosse a própria sabedoria personificada. Mas eis que um dia o tal mestre empregou uma palavra errada, um erro que muitos veriam como algo banal, mas que para o aluno foi uma falta sem perdão. Em vez de “a pupila dilatou”, o homem disse “a pupila delatou”. O rapaz desejou que seu professor houvesse morrido a ter dito aquilo. E nunca mais o viu com os mesmos olhos.

Existe uma espécie de padrão no que aqui foi narrado. Profunda admiração, seguida de uma pequena falta, ou algo do gênero, e, finalmente, uma enorme decepção aparentemente injustificável.

Eis que o narrador que vos fala tem uma curiosa relação com as pessoas. Sente por elas uma profunda admiração e, ao mesmo tempo, sente-se decepcionado com todas elas. Mesmo com aquelas que ainda não lhe apresentaram falta alguma, ou até mesmo com aquelas que ainda nem conhece. Então, meu amigo, estive pensando sobre isso tudo de uma maneira muito confusa e tive esse estranho desejo de ver o apocalipse sentado ao seu lado. Por mais que eu mesmo não acredite no apocalipse. Mas foi esta imagem que me passou pela cabeça, o alto de uma montanha num final de tarde e o fogo devorando tudo. Então, riríamos uma última vez antes de sermos engolidos pelas labaredas. E sei que seria um riso espontâneo e sincero. Seria melhor do que decepcionarmos uns aos outros e a nós mesmos ao depararmo-nos com uma vida estável e enfadonha. Às vezes, esse binômio causa-efeito me deixa profundamente intrigado. A maneira como não falha. Creio que a única saída seja ignorar as inevitáveis conseqüências.

sábado, 18 de abril de 2009

A Caixa de Dora

Esta poesia é de uma personagem minha, chamada Dora, do livro "Contos de Fado", que você encontra na banca mais próxima a sua casa (na verdade, você não encontra não, porque sou um pseudoescritor sem editora, mas tem pra baixar aí ao lado, se o link ainda não expirou...) 


A Caixa de Dora

 

Se meu passado fosse mais que perfeito

Meu futuro não seria do pretérito

Se a perfeição não fosse meu único defeito

Errar não seria meu maior mérito

 

Não, eu não falava do futuro do presente

Não, eu não esperava presentes do futuro

É que a ausência sempre esteve presente

Na presença daquilo que é impuro

 

De presente, só ganhei derrotas

Pelo caminho, só perdi as vitórias

E foi quando me encontrei perdida

Que perdi o encontro comigo mesma

 

Veja você,

Há tanto choro que soa como gargalhada

Veja você,

Se o humor é negro, eu sou a piada

Veja você,

Seu riso é doce, minha lágrima, salgada  

 

Sou eu que consumo o tempo

Ou é o tempo que me consome?

O senhor é dono do escravo

Ou escravo é todo homem?

 

Os meninos da cidade fogem da agitação

Se chocando com os do campo

Que seguem na contramão

Será que está tudo errado ou é só o jogo da insatisfação?

 

Levante-me, estenda-me sua mão

Se você tem tantas, quem sabe possa me dar uma

Se isso é meu direito, não abro mão de forma alguma

 

Você deve saber

Que não nasci para deveres

O mundo é que me deve

O direito aos prazeres

 

 

Esqueça-se dos porquês

Nunca houve nenhum sentido

Afogue-se neste mar de clichês

E me leve junto contigo

 

Sei que é triste, mas parece cômico

Suas promessas não cumpridas têm gosto de vômito

Então, vou comê-lo à vontade

Quem sabe, corroendo por dentro, mate esta saudade

 

Quem é aquela que se aproxima?

É a Santa Papoula que brilha

E agora o que eu faço?

Não é preciso nada, há o opiáceo

 

Se pelo menos esta dor fizesse algum sentido

Se ao menos você pudesse explicar

Então te deixaria sofrer comigo

Lâmina longe da ferida, me deixe respirar

 

O que é isso que varre o vazio?

O cansaço do câncer, ou o câncer do cansaço

Não é o vento lá fora, é aqui dentro que está frio

Ria do espetáculo, depois mate o palhaço

 

Antes eu chorava, por aquilo que agora me faz rir

E o inverso disso também é verdadeiro

A molécula destruída também pode construir

Juro que é verdade, para o nosso desespero

 

Carimbo pra nascer, carimbo pra morrer

Meu “eu” de papel vale mais que o de carne

Dor pra morrer, dor pra nascer

O papel que compra, veia que arde

 

Agora sou sede e fome

Perdida no meio do deserto

Se errar é humano, o erro é o Homem

Se o certo é o errado, o errado é o certo

 

Os pedaços da carta voam pela janela

Culpas, desculpas e motivos

Remorso esmaga, compaixão atropela

Perdi e venci o inimigo

 

Agora estou no alto de um prédio

O mistério, alguns andares abaixo

Não há dor sem remédio

Engulo, aplico, enfaixo

 

O cano encostado na fronte

O mistério, no puxar do gatilho

Por favor, não me desaponte

Drama, comédia e martírio

 

A lâmina colada ao pulso

O mistério, no deslizar para o lado

Velhos sonhos guardados avulso

Esqueça o futuro, planeje o passado

 

Estou na banheira com água morna

O mistério, dividido em comprimidos

Aquilo que vai um dia retorna

Nenhuma mordaça sufoca os gemidos

 

Há tantos que vivem por um sonho morto

Há tantos que morrem por um sonho vivo

É na dor que ele encontra conforto

É ela quem me rouba o juízo

 

Pare com esses barulhos

O silêncio, o choro, a sirene

O celular, o lócus coeruleus

A mente que não cala, o corpo que treme

 

No fim que chega para todos

Que me traga pela boca do vazio

Sangrando, nua, cercada por lobos

Estive gritando por séculos, alguém ouviu?

 

Encontre a lógica de todos os absurdos

Velhos sonhos puxam a nova carruagem

Estamos chatos, velhos e sujos

Mas tudo não passa de uma grande bobagem

 

terça-feira, 14 de abril de 2009

In Utero

Eu estava nesse lugar quente e confortável. E sentia que havia alguém que me amava de forma incondicional e, talvez, meio que sem sentir ou sem saber direito, eu também amava essa pessoa. E éramos extensão um do outro, e sei que havia um tipo muito característico de satisfação de ambas as partes por estarmos ligados. E havia esse cordão que não me deixava sentir fome, e esse líquido morno que me protegia de tudo. E não existia medo ou dor. E nem haveria o que desejar. Então, eu saí. Retirado por mãos estranhas. Uma claridade me cegava os olhos, olhos estes que até então nem sabia que existiam. Romperam o tal cordão que evitava que eu sentisse fome, um tipo de desconforto que também não sabia que existia. Separaram-me de um corpo que achava que fosse parte do meu e o tal líquido protetor vazou. E senti frio. Uma das primeiras ações dessas pessoas, seres que até hoje me intrigam e que de maneira geral são chamados de “outro”, foi me bater. Deram-me um tapa e senti dor. Dor é uma dessas coisas que você dá um nome para ter a sensação ilusória de segurança de que sabe o que é, mas que nunca sabe. Pensando melhor, não é apenas com a dor que isso ocorre. Acho que não conheço nada sobre todas as coisas que encontrei depois de sair daquele lugar a não ser seus nomes. E a respeito dessas que não são assim concretas como “porta” ou “sapato”, não sei nem se lhes chamo pelo nome certo. Mas, enfim, deram-me o tal tapa, senti a tal dor e meus pulmões encheram-se de ar pela primeira vez. O que eu acho curioso é que, se eu houvesse morrido logo após ter respirado aquela única vez, teria provado a essência do existir. Teria sentido aquela sensação de incompletude; a dor física e um esboço do que talvez chamaria de medo (outra daquelas palavras que você emprega, mas não sabe direito o que é); uma ânsia de provar o novo, de experimentar aquilo que não sou eu; e inúmeras tentativas de recuperar, claro que sempre parcialmente, aquela sensação de satisfação e conforto que havia lá dentro. Se me perguntassem se vale a pena, eu não teria uma resposta pronta, dessas bonitas e otimistas. Também não teria uma resposta melancólica e pessimista. Acho que diria apenas que, se não tivesse sentido dor, eu não teria aprendido a respirar. 

sábado, 11 de abril de 2009

Carta ao Amigo

Meu amigo, como vai você? Sei que o que você fez foi sem nenhuma pretensão, mas não faz idéia do quanto me ajudou. Em alguns momentos me via nele... Em outros, queria me ver. Tenho certeza de que você era muito parecido com ele também. Às vezes, acho irônico que um dos únicos amigos que tive, uma das poucas pessoas que realmente se parece comigo, nunca tenha existido. Mas, se paro para refletir um pouco, percebo que isso é típico de mim. Será que todas essas coisas estranhas que passam pela minha cabeça também passam, ou passaram, pela sua um dia? Será que me sentiria à vontade para falar com você abertamente sobre todas essas loucuras que vêm me acompanhando há tantos anos? Esses fantasmas também o perseguem até hoje? Eu preciso me livrar deles, talvez você saiba como.

E o isolamento, foi mesmo a melhor saída? Em alguns momentos, anseio por ele com todas as minhas forças. Sei que é uma forma de se evitar a dor, mas você considera que foi mesmo a melhor escolha? Confesso que as relações sociais muitas vezes não parecem valer a pena pra mim. A maioria das pessoas é tão enfadonhamente parecida, e tão decepcionante... Sei que você pensa a mesma coisa. No entanto, algo me ocorreu. O problema não está com eles; nunca esteve. Essa tentativa de culpá-los é só um mecanismo de defesa. Talvez todo esse grande corpo esteja doente, mas talvez a grande habilidade consista justamente em se adaptar a ele. Não são eles que estão errados, meu amigo... Eu e você somos os disfuncionais aqui. Às vezes, penso num veleiro... cortar o oceano sem nada por perto por quanto tempo der. Não sei se suportaria apenas a minha presença por tanto tempo quanto você.

Gostaria de saber o que você acha disso tudo agora, no auge dos seus noventa anos. Há momentos em que me sinto tão velho. Até hoje não consegui pensar em um plano melhor para a minha vida do que aquela sua idéia maluca que dá nome ao livro. E o que você acha da literatura? Ela vale a pena? Hoje eu acho que não, mas ela me ajudou por muito tempo. Foi minha maior fuga e meu único vício. Sinto-me aliviado por você detestar cinema, caso o contrário, todos esses idiotas distorceriam ainda mais o que você disse; e inventariam mais um milhão de bobagens em cima da sua história. Você sabe como eles são, simplesmente não conseguem ver e aceitar a beleza que há no simples. Diga-me, você é tão velho quanto eu? Alguém, um dia, já foi assim tão velho quanto eu?

Você sempre quis saber pra onde os patos e os peixes vão quando o lago congela. Por favor, só queria que você, ou quem quer que tenha a resposta, me respondesse esta única pergunta, e nós, pra onde é que nós vamos quando a droga do lago congela? Pra onde? Pra onde? Pra onde?...

Talvez um dia eles nos deixem em paz, talvez nunca.

Até qualquer hora, meu velho.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

SE BEBER, NÃO DIRIJA

Quem, meus amigos, não gostaria de ser salvo? Por isso os mártires, líderes espirituais e, por que não, os maias fazem tanto sucesso ainda hoje. As famosas profecias sobre apocalipse e salvação... Em minha opinião, esses maias eram uns safados que deviam estar entorpecidos por alguma coisa quando escreveram as tais profecias, e só porque faz muito tempo que fizeram isso, e porque têm um nome como “maias” (não soube que adjetivo usar para classificar tal nome) todos os levam a sério. Quase todos, melhor dizendo. Mas não tenho nada contra os maias, é só minha humilde opinião.

            O fato é que não preciso mais procurar um salvador, encontrei meu messias... Ele se chama Airbag. Um nome tão... tão inglês... tão sofisticado. Adoro esse nome. E que Ser mais altruísta, mais abnegado. Está lá só para me salvar... Sua existência tem como meta apenas a minha salvação. E eu, o que posso fazer por Ti? Queria fazer algum sacrifício também, mas o máximo que posso é pregar Teu nome, correndo o risco de que me chamem de irônico, ou louco, ou estúpido. Ainda assim, jamais Te renegarei... Oh, Airbag! Oh, Airbag!

            A vontade que tenho é de pegar o carro e atirar contra o primeiro poste que ver pela frente, apenas para encontrar-Te, para Te ver surgindo espontaneamente do meio do volante, como uma espécie de epifania. Digam-me, que messias pode ser assim tão concreto, tão palpável quanto o Airbag? Quero ver-Te estampado em todos os lugares... Imagino as meninas portando mini Airbags em formato de coração e aroma de morango... os meninos com chaveiros de Airbags cobertos de octógonos pretos e brancos, lembrando uma bola de futebol.

            Imagino um salão de pessoas, entoando, extasiadas, cânticos em Seu nome, enquanto no altar repousa um volante com um Airbag murcho dependurado, simbolizando o sacrifício em prol do outro. Oh, Airbag, Tu, que proteges minha vida, tão desprovida de propósito; que proteges minha família, tão pura e feliz... O que posso fazer para retribuir? Quero Airbags laterais... frontais... traseiros... diagonais... Quero recobrir as paredes de meu quarto com Airbags, para que possa me atirar contra eles até perder completamente as forças. Tu, que proteges as famílias cheirosas e de dentes alvos, e também os que criticam tais famílias (desde que também sejam cheirosos e tenham dentes alvos). Sei que vieste para o juízo final, para separar o joio do trigo. E sei que somente aqueles que Te possuem serão salvos. Digam-me, meus amigos, quem precisa dos maias?

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Falling Down

A Incrível Menina Mágica

Uma vez eu tive esse sonho maluco. Sonhei que eu estava despencando nesse precipício, aí encontrei um galho e me agarrei nele. Quando eu estava começando a respirar aliviado e tudo, achando que tinha me salvado, o galho quebrou.

            Sabe, um dia desses, eu estava passando na frente de um circo, nunca fui maluco por circo nem nada, mas eu estava passando na frente desse circo e vi que a grana que eu tinha no bolso dava certinho pra comprar o ingresso. Não achei que fosse uma porcaria de sinal, nem coincidência, nem nada, só comprei o ingresso. Aí logo que entrei já me arrependi. Sabe, você nunca deve criar muitas expectativas em cima dos lugares e das pessoas e tudo mais. Achei que seria mais fácil encontrar gente legal num circo do que numa droga de fila de banco ou escritório e essa merda toda. Mas, quando entrei, o lugar estava cheio desses sujeitinhos que só vão lá pra comentar o quanto os palhaços são sem graça, e os leões estão magros e esse monte de porcaria. E também tinha os pais das crianças, com uma cara meio séria e amargurada que me deprimiu pra caramba. Juro que quase caí fora dali quando vi aquelas caras... que se dane se eu já tinha pagado o ingresso e o diabo a quatro. As caras deles estavam mil vezes pior do que a dos seus filhos quando são obrigados a ficar sentados naqueles bancos de madeira durante a porcaria da missa toda. Juro que não entendo um troço desses. A única coisa que salvava aquele lugar eram as crianças, sou maluco por crianças. Não sei como elas conseguem ficar tão felizes num lugar tão deprimente como aquele; só por isso, já teria valido a pena ter pagado a porcaria do ingresso.

            Aí sentei num lugar meio isolado pra não ouvir os comentários daqueles caras metidos a espertalhões, senão juro que eu vomitaria em cima deles. Foi aí que essa garota sentou do meu lado. Logo de cara dava pra ver que ela não era igual a todas as outras garotas. Então ela me perguntou o que eu mais gostava nos circos. Eu falei que nunca tinha pensado sobre isso, que eu não era maluco por circo nem nada, apesar de até achar o lugar legal. Ela disse que gostava das girafas, que era difícil encontrar circos que tivessem girafas e tudo, mas ela era maluca por girafas porque elas eram diferentes de todos os animais, pareciam ter vindo de outro planeta... Também disse que morria de medo de palhaços, que seu coração disparava e que ficava toda arrepiada quando eles davam aquelas gargalhadas. Mas o que ela mais gostava mesmo em todo o circo era da luz que passava pelos buracos da lona. Só então percebi que a lona era inteira esburacada e passava uns fachos de luz pelos buracos. Ela gostava daquelas poeirinhas que ficavam flutuando e se destacavam por onde a luz passava. No fundo você sabe que aquelas poeirinhas ficam voando pelo lugar todo, mas só dá pra ver onde a luz passa por elas. Ela me falou que na verdade as poeiras que ficavam flutuando eram fadas, um monte delas... E que ela própria era uma fada também. Juro que se fosse qualquer outra pessoa que tivesse me dito isso, eu acharia a maior charlatanice do mundo. Teria dado o fora dali na hora. Mas não tinha como não acreditar nela. Você pode achar que eu estou bancando o trouxa, mas se você estivesse ali, aposto que você acreditaria também.

            Sabe o que me deixa mais pirado nisso tudo? É que ela não era o tipo de garota que fica te perguntando em que droga de colégio você estudou ou que porcaria pretende fazer da tua vida. Você podia ficar em silêncio ao lado dela sem se sentir na obrigação de puxar um assunto idiota. Aí, sem mais nem menos, ela me perguntou por que eu tenho estado tão triste. Eu menti que não tenho estado triste nem nada, que só estava pensando na minha irmãzinha porque o hamster dela, o Sr. Dentuço, tinha morrido de repente. A verdade é que minha irmãzinha nunca teve porcaria de hamster nenhum. Juro que não sei por que invento essas besteiras.

            Nunca fui fã desses figurões que tocam guitarra, ou que aparecem em filmes bancando os durões e essa porcaria toda. Pra mim, são todos uns charlatões. Mas eu confesso que virei fã dessa garota de quem estou te falando. Sei que parece que eu estou exagerando e tudo, mas acho que ninguém consegue passar cinco minutos ao lado dela sem virar seu fã. Sabe, tem pessoas que, se fizessem parte de uma história, seriam protagonistas e pessoas que seriam coadjuvantes. Tenho certeza que ela era a protagonista ali e todos aqueles sujeitos que estavam no circo, inclusive eu, eram só os coadjuvantes da história dela. Juro que me senti feliz pra caramba por ser um coadjuvante.

Acho que eu devo ter passado uns quarenta minutos ao lado dela, mas parecia que eu a conhecia há uns trocentos mil anos. Aí ela me falou que precisava ir embora pro tal mundo mágico, que é onde as fadas vivem e tudo. Disse que ela passava um tempo entre os humanos, aí, quando enjoava, voltava pro mundo mágico. Quando estava de saco cheio das tais fadas e seres mágicos e tudo, ela vinha outra vez pro mundo dos humanos. Puxa, eu fico doido quando escuto uma coisa legal assim. Mas a verdade é que na hora tive vontade de explodir a droga do tal mundo mágico... Aí ela não teria como ir embora. Mas depois eu pensei que seria muito injusto prender ela pra sempre no meio de toda aquela gente chata...

Quando ela estava saindo, eu falei pra ela: “Espera, me diz o que eu devo fazer da minha vida... Fala qualquer coisa, a primeira que vier na tua cabeça. Olha só, se você me disser que eu devo ser um desses charlatões que vendem revistas de casa em casa é exatamente isso que vou fazer. Ou se você disser que eu devo passar o resto da minha vida pilotando uma droga de um ultraleve. Olha só, eu não rasparia minha cabeça por dinheiro nenhum desse mundo, mas se você disser que eu devo ir pro Nepal e virar um daqueles monges carecas, juro que eu viajo pra lá hoje mesmo. Melhor, eu nunca gostei desses militares metidos à besta, mas se você me pedir pra ir agora pra porcaria do exército, no duro que vou direto pra lá e passo o resto da vida batendo continência pra aqueles figurões... Você só tem que dizer qualquer coisa”.

Aí ela sorriu pra mim e desapareceu. Acho que ela deve ter virado uma fada ou algo assim e ido pro tal mundo mágico. Não sei por que falo essas besteiras, podia ter falado um milhão de coisas pra ela e fui falar logo esse troço estúpido do que eu deveria fazer da porcaria da minha vida. Acho que eu devia ter dito pra ela que, se ela dissesse que iria voltar, nem que fosse só por um dia, eu passaria uns setenta anos esperando ali naquele circo, sentado na mesma droga de lugar. Puxa, eu nunca sei mesmo a coisa certa pra se dizer e depois fico doido por causa disso.

Eu não sei se eu já te falei desse sonho que eu tive uma vez. Foi um sonho maluco pra caramba. Sonhei que eu estava caindo numa porcaria de despenhadeiro e aí, quando eu achei que já estava tudo perdido, encontrei um galho e me agarrei. Na hora que eu estava respirando aliviado porque achei que tinha me salvado e tudo, o galho quebrou. Puxa...