terça-feira, 29 de abril de 2008

Entre o sábado e o domingo

Beber pra esquecer a rotina, pra esquecer que o amanhã é uma continuação do hoje. Beber pra rir mais fácil, pra falar sem censurar a si próprio ou aos outros. Era isso que dois amigos quaisquer faziam num bar qualquer.

O dono do estabelecimento recolhia as mesas ao redor deles. Deixando claro que era hora de fechar e que, naquele momento, o que consumiam não valia seu sono. O som é desligado, como se estivesse dizendo “Caiam fora!”.

Eles não ficam bravos. Apenas riem, àquela altura, tudo é motivo pra risos. Entram no carro, colocam o sinto de segurança e, então, se dão conta do que está acontecendo. Estão voltando para a vida. Aquela em que não se dorme à noite preocupando-se com o amanhã, ou lamentando o que passou. Aquela em que as horas não passam nos momentos pé-no-saco, e que voam quando se está no bar. Aquela em que um dia é o tempo entre olhar sua cara podre no espelho do banheiro na hora em que acorda e olhar sua cara podre no espelho do banheiro antes de dormir.

- Que merda, cara... Não tem nada mais deprimente do que voltar pra casa depois do bar.

- Tá aí uma verdade, mas fazer o quê...

- Sei lá, dirija pra qualquer lugar, mas não me deixe em casa. Que droga! Amanhã é domingo, o dia mais porco que pode existir.

- Vou parar no posto. Aí a gente pede orientação pra santa cerveja sobre o que a gente faz.

- Isso, nada melhor do que pedir orientação ao oráculo.

- Ah, o Nestor?

Eles riem, porque ainda é algo entre sábado e domingo, entre a embriaguez e a sobriedade. E precisam comprar cerveja, porque, se não podem impedir o domingo, pelo menos, podem atrasar a sobriedade.

Uma mijada na parede do posto, a uns três passos de uma placa que diz sanitário masculino; duas long necks e uma idéia.

- Eu vou dirigir até acabar a gasolina. Que tal? Pego a estrada e onde o carro parar, parou.

Um momento de silêncio. Além de analisar a proposta, é preciso dar ao momento o suspense que ele merece.

- Cara... meu amigo Charlie Brown...

A embriaguez é um guia, quando se apanha a sua mão, ela o leva para onde bem entende.

- ... Meu amigo Tango e Cash...

- E aí, o que você acha da idéia? Fala logo, seu bêbado safado...

- Foi a melhor idéia que você já teve. Vamos comprar mais umas cervejas e vamos nessa.

Dar a partida. Beber. Pegar a auto-estrada.

- Se beber não dirija... – diz um deles olhando o rótulo.

- Se comer não escreva.

- Se coçar não depile.

- Se escalar não hipnotize.

Risos. Perder o fôlego. Risos.

- Por que não escrevem isso nos rótulos? Esses caras não têm o mínimo de senso de humor.

No horizonte, o sol anuncia o temido domingo. Mas agora ele nem é mais temido. Ele não indica mais a continuidade, o ciclo se fechando. Ele sucumbe ante a excitação do diferente.

- Foda-se, domingo – diz um deles.

- Foda-se, domingo – arremata o outro.

Curvas. Retas. Curvas. Retas. Retas. O motor começa a perder o torque. Engrenagens movidas agora apenas pela inércia, não mais pela gasolina. O carro pára no acostamento. Ao redor, fazendas e quilômetros de plantação. Um amigo olha para o outro. Um abre a porta do passageiro, corre, pula uma cerca baixa e continua correndo por entre uma plantação de trigo. O outro abre a porta do motorista, corre na direção oposta, pula uma cerca e continua correndo por entre uma plantação de milho. Correr até quando houver energia, este é o sentido.


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