Beber pra esquecer a rotina, pra esquecer que o amanhã é uma continuação do hoje. Beber pra rir mais fácil, pra falar sem censurar a si próprio ou aos outros. Era isso que dois amigos quaisquer faziam num bar qualquer.
O dono do estabelecimento recolhia as mesas ao redor deles. Deixando claro que era hora de fechar e que, naquele momento, o que consumiam não valia seu sono. O som é desligado, como se estivesse dizendo “Caiam fora!”.
Eles não ficam bravos. Apenas riem, àquela altura, tudo é motivo pra risos. Entram no carro, colocam o sinto de segurança e, então, se dão conta do que está acontecendo. Estão voltando para a vida. Aquela em que não se dorme à noite preocupando-se com o amanhã, ou lamentando o que passou. Aquela em que as horas não passam nos momentos pé-no-saco, e que voam quando se está no bar. Aquela em que um dia é o tempo entre olhar sua cara podre no espelho do banheiro na hora em que acorda e olhar sua cara podre no espelho do banheiro antes de dormir.
- Que merda, cara... Não tem nada mais deprimente do que voltar pra casa depois do bar.
- Tá aí uma verdade, mas fazer o quê...
- Sei lá, dirija pra qualquer lugar, mas não me deixe
- Vou parar no posto. Aí a gente pede orientação pra santa cerveja sobre o que a gente faz.
- Isso, nada melhor do que pedir orientação ao oráculo.
- Ah, o Nestor?
Eles riem, porque ainda é algo entre sábado e domingo, entre a embriaguez e a sobriedade. E precisam comprar cerveja, porque, se não podem impedir o domingo, pelo menos, podem atrasar a sobriedade.
Uma mijada na parede do posto, a uns três passos de uma placa que diz sanitário masculino; duas long necks e uma idéia.
- Eu vou dirigir até acabar a gasolina. Que tal? Pego a estrada e onde o carro parar, parou.
Um momento de silêncio. Além de analisar a proposta, é preciso dar ao momento o suspense que ele merece.
- Cara... meu amigo Charlie Brown...
A embriaguez é um guia, quando se apanha a sua mão, ela o leva para onde bem entende.
- ... Meu amigo Tango e Cash...
- E aí, o que você acha da idéia? Fala logo, seu bêbado safado...
- Foi a melhor idéia que você já teve. Vamos comprar mais umas cervejas e vamos nessa.
Dar a partida. Beber. Pegar a auto-estrada.
- Se beber não dirija... – diz um deles olhando o rótulo.
- Se comer não escreva.
- Se coçar não depile.
- Se escalar não hipnotize.
Risos. Perder o fôlego. Risos.
- Por que não escrevem isso nos rótulos? Esses caras não têm o mínimo de senso de humor.
No horizonte, o sol anuncia o temido domingo. Mas agora ele nem é mais temido. Ele não indica mais a continuidade, o ciclo se fechando. Ele sucumbe ante a excitação do diferente.
- Foda-se, domingo – diz um deles.
- Foda-se, domingo – arremata o outro.
Curvas. Retas. Curvas. Retas. Retas. O motor começa a perder o torque. Engrenagens movidas agora apenas pela inércia, não mais pela gasolina. O carro pára no acostamento. Ao redor, fazendas e quilômetros de plantação. Um amigo olha para o outro. Um abre a porta do passageiro, corre, pula uma cerca baixa e continua correndo por entre uma plantação de trigo. O outro abre a porta do motorista, corre na direção oposta, pula uma cerca e continua correndo por entre uma plantação de milho. Correr até quando houver energia, este é o sentido.
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