segunda-feira, 10 de março de 2014

TOBOGÃ

Deslize... aceite que você está viajando o tempo todo neste grande tobogã e que ninguém, absolutamente ninguém, pode te dizer como esta viagem acaba. Algumas vezes, isso pode te apavorar, e outras, te trazer conforto. É assim mesmo que funciona esta descida e, provavelmente, você já sabe disso. Não há fórmulas exatas, o que funciona num momento pode não funcionar em outro, ou ainda, tem um efeito totalmente oposto em ocasiões diferentes. A minha opinião é que, se você acha que algo pode te ajudar em sua descida, você deve experimentar, desde que não prejudique a descida de mais ninguém. As viagens seriam muito mais fáceis se as pessoas respeitassem os tobogãs de seus vizinhos, mas eu não estou aqui para julgamentos, mesmo porque não tenho este direito, além disso, esta viagem pode ser muito dura em alguns momentos, e todos nós estamos sujeitos a cometer erros inacreditáveis.

Existem várias formas de tentar descer bem. Algumas pessoas acreditam que alguns objetos podem ajudar bastante e descem com uma grande bagagem a tiracolo (muitas delas se desgastam bastante para consegui-los e se esquecem de apreciar a vista). Alguns acham que para evitar o embrulho no estomago é melhor descer sedado (pode funcionar por um tempo, de qualquer forma, uma hora ou outra, o estomago vai, inevitavelmente, embrulhar). Alguns descem com as mãos sangrando porque se agarram com força às bordas, tentando evitar a descida (te digo, olhando para as cicatrizes de minhas próprias mãos, não há como parar... sei que um intervalo seria bom para tomar um fôlego).

As formas de tentar melhorar a viagem são incontáveis, nenhuma delas infalível. Sempre haverá solavancos, trepidações, guinadas bruscas, saltos e quedas, claro que também haverá alguns momentos de um deslizar suave e agradável, como se provássemos algo que parece estar fora do tobogã, mesmo que nunca tenhamos saído dele... Pra mim (e só posso, obviamente, falar por mim e sobre as coisas que aconteceram comigo, e só falo porque falar me traz alívio e penso que talvez possa ajudar a alguém que encara a viagem de forma parecida), estes momentos são como quando alguém cantarola uma música baixinho para você (vejam só! Para você, isso não é lindo?!) enquanto lava seus cabelos com águas mornas e mãos de ternura. E você se torna uma criança amada que pode amar outra vez e sente uma vontade incontrolável de sair por aí, lavando os cabelos de todo mundo, carregando seus pequenos frascos de xampu de camomila... erva-doce... alfazema... e calêndula. Então, você descobre que não há fórmulas exatas e o que funciona para você pode não funcionar para os outros.

Procuro descer com meus olhos bem abertos, por mais que não seja tão fácil, engolindo com eles tudo o que há ao redor, deixando que a beleza e a dor os atravessem e me matem (literalmente, não no sentido figurado) e me ressuscitem a cada movimento respiratório. Inspiro... e provo o vazio da solidão escura e indiferente de estar lacrado hermeticamente pelos contornos de minha pele. Expiro... e sinto todos os deuses e deusas, santos e santas que nunca existiram, que sempre existiram e jamais existirão se tornarem reais. E são tão melhores do que eu... e isso me traz uma paz tão profunda e verdadeira que sinto novamente aquelas mãos de ternura em meus cabelos por toda a eternidade de um movimento respiratório.

Existem outros descendo ao seu lado, e isso é bom! Alguns podem estar muito perto e você tem a sensação de que não desce sozinho. Segure-os pelas mãos, talvez não haja muito que se possa fazer além disso, mas acredite, fará muito bem a você e a eles. Nunca se esqueça que em cada tobogã só cabe um e se houver alguma guinada muito forte, solte. Do contrário, você pode se machucar e machucar as outras pessoas. Ninguém é forte o suficiente para consertar o tobogã dos outros, não se pode saber nem mesmo onde o próprio dará no instante seguinte. Ainda assim, se alguém que você ama te estender a mão, nunca deixe de segurá-la.

No início, a descida parece tão simples e lenta. Você tem pressa para descer, para saber aonde aquela via tortuosa te levará mais à frente. Depois, há momentos em que parece que você está descendo tão depressa, e você gostaria de voltar um pouco mais atrás, ou até o início outra vez, mas nesta viagem não há caminho de volta (é inútil tentar, você só vai acabar se machucando, esta é uma das poucas coisas que posso te dizer com convicção). Há também uma relação bastante particular com aqueles que te colocaram no tobogã, que deram o empurrão inicial. Haverá momentos em que você os odiará por isso, outros em que os agradecerá... a verdade (pelos menos, para mim) é que não há culpas, nem perdões aqui. Eles nunca estiveram em terreno estável, sempre estiveram deslizando, assim como você, e tentam de tudo que está ao alcance para terem a melhor descida possível. Erros acontecem e sempre acontecerão. Mas, lembre-se, apenas uma pessoa por tobogã. Não é egoísmo, é simplesmente como as coisas funcionam (acredite, se coubesse a mim, seria diferente).

Deslizo enquanto escrevo. Deslizo enquanto durmo. Deslizo... após tanto tempo, com tantas informações sobre o início e o fim, quanto tinha no primeiro momento em que comecei a deslizar. Tentando resistir às guinadas, aos solavancos, da minha própria maneira, apegando-me às minhas estratégias que, no fundo, sempre soam bobas demais... inocentes demais, diante deste grande e misterioso tobogã que não permite que meus olhos vejam muito adiante. Sinto medo de que no final ele nos engula a todos. Tenho medo que apague todas as imagens que venho colecionando, que são tudo que tenho de mais valioso. Queria tê-las para sempre neste álbum que carrego comigo, abraçado com todas as minhas forças. Inspiro... mantenho meus olhos bem abertos e uma nova imagem entra por eles, um novo registro de beleza e dor. Então, uma morte, não no sentido figurado, uma morte real. Expiro e sinto dedos tão ternos em meus cabelos. Percebo que continuo deslizando. 

2 comentários:

Unknown disse...

Cara, na boa, que texto mais show de bola! É de sua própria autoria ou o quê? Eu encontrei esse blog na minha busca pelo conto "O Misterioso Peixinho Dourado". Parabéns e valeu aê. ;D

Anderson Onofre disse...

Valeu! Bom saber que você curtiu... O texto é meu sim. Na verdade, em todo o blog, acho que só tem 2 que não são de minha autoria, mas eu dou os créditos aos autores no início destes posts. Abraço!