Deslize... aceite que você está
viajando o tempo todo neste grande tobogã e que ninguém,
absolutamente ninguém, pode te dizer como esta viagem acaba. Algumas
vezes, isso pode te apavorar, e outras, te trazer conforto. É assim
mesmo que funciona esta descida e, provavelmente, você já sabe
disso. Não há fórmulas exatas, o que funciona num momento pode não
funcionar em outro, ou ainda, tem um efeito totalmente oposto em
ocasiões diferentes. A minha opinião é que, se você acha que algo
pode te ajudar em sua descida, você deve experimentar, desde que não
prejudique a descida de mais ninguém. As viagens seriam muito mais
fáceis se as pessoas respeitassem os tobogãs de seus vizinhos, mas
eu não estou aqui para julgamentos, mesmo porque não tenho este
direito, além disso, esta viagem pode ser muito dura em alguns
momentos, e todos nós estamos sujeitos a cometer erros
inacreditáveis.
Existem várias formas de tentar
descer bem. Algumas pessoas acreditam que alguns objetos podem ajudar
bastante e descem com uma grande bagagem a tiracolo (muitas delas se
desgastam bastante para consegui-los e se esquecem de apreciar a
vista). Alguns acham que para evitar o embrulho no estomago é melhor
descer sedado (pode funcionar por um tempo, de qualquer forma, uma
hora ou outra, o estomago vai, inevitavelmente, embrulhar). Alguns
descem com as mãos sangrando porque se agarram com força às
bordas, tentando evitar a descida (te digo, olhando para as
cicatrizes de minhas próprias mãos, não há como parar... sei que
um intervalo seria bom para tomar um fôlego).
As formas de tentar melhorar a
viagem são incontáveis, nenhuma delas infalível. Sempre haverá
solavancos, trepidações, guinadas bruscas, saltos e quedas, claro
que também haverá alguns momentos de um deslizar suave e agradável,
como se provássemos algo que parece estar fora do tobogã, mesmo que
nunca tenhamos saído dele... Pra mim (e só posso, obviamente, falar
por mim e sobre as coisas que aconteceram comigo, e só falo porque
falar me traz alívio e penso que talvez possa ajudar a alguém que
encara a viagem de forma parecida), estes momentos são como quando
alguém cantarola uma música baixinho para você (vejam só! Para
você, isso não é lindo?!) enquanto lava seus cabelos com águas
mornas e mãos de ternura. E você se torna uma criança amada que
pode amar outra vez e sente uma vontade incontrolável de sair por
aí, lavando os cabelos de todo mundo, carregando seus pequenos
frascos de xampu de camomila... erva-doce... alfazema... e calêndula.
Então, você descobre que não há fórmulas exatas e o que funciona
para você pode não funcionar para os outros.
Procuro descer com meus olhos
bem abertos, por mais que não seja tão fácil, engolindo com eles
tudo o que há ao redor, deixando que a beleza e a dor os atravessem
e me matem (literalmente, não no sentido figurado) e me ressuscitem
a cada movimento respiratório. Inspiro... e provo o vazio da solidão
escura e indiferente de estar lacrado hermeticamente pelos contornos
de minha pele. Expiro... e sinto todos os deuses e deusas, santos e
santas que nunca existiram, que sempre existiram e jamais existirão
se tornarem reais. E são tão melhores do que eu... e isso me traz
uma paz tão profunda e verdadeira que sinto novamente aquelas mãos
de ternura em meus cabelos por toda a eternidade de um movimento
respiratório.
Existem outros descendo ao seu
lado, e isso é bom! Alguns podem estar muito perto e você tem a
sensação de que não desce sozinho. Segure-os pelas mãos, talvez
não haja muito que se possa fazer além disso, mas acredite, fará
muito bem a você e a eles. Nunca se esqueça que em cada tobogã só
cabe um e se houver alguma guinada muito forte, solte. Do contrário, você pode se machucar e machucar as outras pessoas. Ninguém é
forte o suficiente para consertar o tobogã dos outros, não se pode
saber nem mesmo onde o próprio dará no instante seguinte. Ainda
assim, se alguém que você ama te estender a mão, nunca deixe de
segurá-la.
No início, a descida parece tão
simples e lenta. Você tem pressa para descer, para saber aonde
aquela via tortuosa te levará mais à frente. Depois, há momentos
em que parece que você está descendo tão depressa, e você
gostaria de voltar um pouco mais atrás, ou até o início outra vez,
mas nesta viagem não há caminho de volta (é inútil tentar, você
só vai acabar se machucando, esta é uma das poucas coisas que posso
te dizer com convicção). Há também uma relação bastante
particular com aqueles que te colocaram no tobogã, que deram o
empurrão inicial. Haverá momentos em que você os odiará por isso,
outros em que os agradecerá... a verdade (pelos menos, para mim) é
que não há culpas, nem perdões aqui. Eles nunca estiveram em
terreno estável, sempre estiveram deslizando, assim como você, e
tentam de tudo que está ao alcance para terem a melhor descida
possível. Erros acontecem e sempre acontecerão. Mas, lembre-se,
apenas uma pessoa por tobogã. Não é egoísmo, é simplesmente como
as coisas funcionam (acredite, se coubesse a mim, seria diferente).
Deslizo enquanto escrevo.
Deslizo enquanto durmo. Deslizo... após tanto tempo, com tantas
informações sobre o início e o fim, quanto tinha no primeiro
momento em que comecei a deslizar. Tentando resistir às guinadas,
aos solavancos, da minha própria maneira, apegando-me às minhas
estratégias que, no fundo, sempre soam bobas demais... inocentes
demais, diante deste grande e misterioso tobogã que não permite que
meus olhos vejam muito adiante. Sinto medo de que no final ele nos
engula a todos. Tenho medo que apague todas as imagens que venho
colecionando, que são tudo que tenho de mais valioso. Queria tê-las
para sempre neste álbum que carrego comigo, abraçado com todas as
minhas forças. Inspiro... mantenho meus olhos bem abertos e uma nova
imagem entra por eles, um novo registro de beleza e dor. Então, uma
morte, não no sentido figurado, uma morte real. Expiro e sinto dedos
tão ternos em meus cabelos. Percebo que continuo deslizando.
2 comentários:
Cara, na boa, que texto mais show de bola! É de sua própria autoria ou o quê? Eu encontrei esse blog na minha busca pelo conto "O Misterioso Peixinho Dourado". Parabéns e valeu aê. ;D
Valeu! Bom saber que você curtiu... O texto é meu sim. Na verdade, em todo o blog, acho que só tem 2 que não são de minha autoria, mas eu dou os créditos aos autores no início destes posts. Abraço!
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