sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Ostra Vazia

Tenho a impressão de que minha visão fica um pouco turva enquanto subo as escadas. Mas não detenho o passo. O cheiro de éter deste lugar, aliado ao jejum, embrulha-me o estomago. Continuo subindo. Como estou ansioso para encontrá-la e, ao mesmo tempo, com medo. Covarde. Estas paredes brancas impecáveis... este silêncio, sinto-me como se estivesse entrando em seu templo. Meu Deus, o que eu devo dizer? Sinto-me tão ridículo nesta situação.

Acabado o último lance de escadas (tão rápido! Fiz de tudo para demorar ao máximo), avisto-a, de costas, olhando pela janela. Tenho a estranha sensação de que ela sabe que estou ali, mas, de qualquer forma, isso não lhe causa a mínima perturbação. Percebo o quanto a amo, o quanto preciso dela para existir. E tudo desaba sobre mim de uma vez só. O estomago vazio... o éter... as lembranças... os arrependimentos... as fantasias... e ela parada ali, vestes brancas, numa fragilidade quase santa. A experiência tem ares místicos. Como um ator que sabe seu papel, avanço em sua direção. Suores e arrepios pela minha pele. Vontade de fugir. Paro ao lado dela. Penso em me ajoelhar. Poupo exageros absurdos e sinto vergonha por ter pensado nisso. Ela permanece inabalável, olhar perdido por aquela paisagem simplória.

“Quando estava vindo pra cá... Não, foi ontem à noite... Não consegui dormir nada esta noite, você sabe, minha insônia... Então comecei a pensar estas coisas e não consegui tirar isso da cabeça enquanto vinha pra cá. O quanto isso tudo está fora do meu controle. Sempre quis que tudo estivesse em minhas mãos, mas nunca esteve e nunca estará. O número de coisas que independe de minha vontade me assusta... e me encanta ao mesmo tempo. Lá fora, quantos frutos podres estão caindo ao chão, quantas árvores estão nascendo, quantas pessoas estão morrendo... Não sei se entende o que estou querendo dizer, o próprio planeta girando, meu coração pulsando, nem mesmo meu coração depende de minha vontade. E isso, isso parece tão absurdo. Não sei se aos outros parece estranho também, mas sinto como se quase não pudesse viver com isso; apesar de ter vivido até então. Parece que, agora, que me dei conta, não posso mais suportar”.

“Não há lugar para sua poesia ou seus devaneios aqui”, disse ela sem me dirigir o olhar.

“Se eu soubesse o que você deseja ouvir, seria exatamente isso que eu diria. Será que, pelo menos, você sabe disso? Sabe que isso é a coisa mais sincera que posso dizer?”

“Talvez você não devesse dizer nada. Talvez devesse ficar calado”.

“Você sabe como eu sou, sabe que eu poderia ficar anos calado; mas, por favor, não me peça isso hoje... não agora. Talvez... talvez eu deva partir. É isso?”

“Seria mais fácil, não é? Você deveria ficar, mas faça o que bem entender”.

“Tem algo que eu possa fazer? Tem algo que eu possa oferecer? Talvez minhas vísceras... meu sangue... meu coração?”

“Eu não conheço você”

“Não diga isso. Por que você tem que me dizer isso? Já não basta...”

“Sente-se. Espere. E não se atreva a me pedir perdão”.

Um comentário:

R disse...

Eaí, tem continuação ou o final é complexo mesmo?