terça-feira, 7 de outubro de 2008

Sentimento da Vida

Ângela desce exausta do metrô. A faculdade a desgasta e nem desperta muito seu interesse. Nunca em toda sua vida encontrou uma única pessoa com quem realmente se identificasse. O estágio é terrível, mas precisa do dinheiro. Gosta de pintar paisagens bonitas usando tinta guache e os próprios dedos em vez de pincel, isso a deixa um pouco mais alegre, mas não dá dinheiro. Catalogar pedidos, controlar estoque, pregar etiquetas dá dinheiro. Pouco, mas dá. Só que também parece roubar aos poucos toda a beleza que ela consegue ver na vida. Mas ela precisa comer, pagar aluguel, comprar sapato e escova de dentes. E ninguém compra um quadro feito com tinta guache, retratando um sol sorridente e um coelho pulando corda.

A vida é estranha, Ângela não pensa isso claramente enquanto está saindo do metrô; mas alguma parte dela sente essa estranheza. A vida parece ser um eterno suprir de necessidades na esperança de dias em que haja algo mais. Tais dias virão? Se não for essa esperança, o que a levará a comprar a próxima escova de dentes? Ângela só quer chegar o mais rápido o possível em sua casa (uma kitchenette alugada, de 3 cômodos) e pintar um arco-íris com tinta guache na parede de seu quarto. Se não fizer isso, sabe que não agüentará ir ao seu estágio no dia seguinte, nem à faculdade ou ao supermercado...

Ângela sai da estação de metrô. Quase é atropelada por uma senhora bastante idosa empurrando um carrinho de madeira improvisado, cheio de latas e papéis velhos. Dentro dele, também há uma garotinha, carregando no colo, com bastante cuidado, um bebê um pouco menor do que ela. Ângela sente uma dor estranha ao ver aquilo, tenta segurar o choro, mas uma lágrima teimosa desliza por seu rosto. Não era apenas compaixão que havia naquela dor. Também havia perdão. Naquele momento, em que seu coração parecia querer gritar algo, Ângela perdoava a tudo e a todos, inclusive a ela própria.

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