sábado, 15 de novembro de 2008

Só isso?

Personagem: Ser um personagem não é tão ruim assim, apesar de estar a sua mercê.

Escritor: Ser um escritor não é lá nenhuma maravilha, apesar de te controlar. Me lembra um pouco um teatro de ventríloquo.

Personagem: Vocês escritores são quase todos iguais...

Escritor: Como assim?

Personagem: Você sabe melhor do que eu; se não, eu não saberia.

Escritor: Talvez você tenha razão. Mas eu quero que você fale, então, creio que você não tem escolha...

Personagem: Neste ponto você me pegou. Se é assim que você quer, então, vamos lá. Vocês, escritores, são arrogantes, metidos a intelectuais, bancam os excêntricos, se intrometem em vários assuntos, mas não conhecem nada a fundo. E, o pior, são muito chatos.

Escritor: Bem, se você diz isso, logo, no final das contas, creio que eu concordo com você. Mas não é só culpa nossa. A literatura em si é velha e chata. Com toda a sua pose, orgulha-se de seu ridículo status de arte para poucos. E nós, que a alimentamos... bem.... nós não tivemos escolha. Se fossemos bons em alguma outra coisa, não precisaríamos escrever. Você sabe como é difícil admitir isso, principalmente pela arrogância, que você mesmo apontou.

Personagem: Concordo com você. A literatura é velha, chata e procura ostentar um glamour que chega a ser caricato. Maquia-se como uma prostituta para ir à igreja. E é tão deprimente ser um personagem, e acabar usando essas suas analogias baratas, e sentir, a cada palavra que eu profiro, como se eu tivesse vivido cem anos de uma vida amargurada. E sentir que nisso que acabei de dizer existe uma dose cavalar de autopiedade.

Escritor: Acho que eu te compreendo melhor do que ninguém, e vice-versa. Mas o que podemos fazer? Já que não estou me valendo de um diálogo retórico, acredito que você também não tenha a resposta; caso o contrário, eu também a saberia.

Personagem: Você disse que a literatura é uma saída quando não se é bom em outra coisa. Mas, e quando não se é bom nem mesmo na literatura, por que continuar insistindo?

O personagem estúpido e intrometido cai morto.

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